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Críticas

O Quarto de Jack

Duas vidas, 9 metros quadrados

Por Luiz Joaquim | 18.02.2016 (quinta-feira)

A primeira qualidade de O Quarto de Jack (Room, EUA, 2015), filme de Lenny Abrahamson (de “Frank”), está em sua capacidade imediata em incutir no espectador o mesmo incômodo claustrofóbico com o qual vive Joy (Brie Larson, indicada ao Oscar de melhor atriz) ao lado de seu pequeno filho Jack (o incrível Jacob Tremblay, hoje com nove anos) que, inicia o enredo comemorando seu quinto aniversário de vida no cativeiro, onde ele nasceu e de onde nunca saiu.

Em outras palavras, para Jack, o mundo se resume, literalmente, ao quarto com cerca de 9 m2 onde esteve toda sua vida. Sendo os seres humanos, para ele, também resumidos a sua mãe e ao Velho Nick (Sean Bridgers). Ainda assim, Jack só vê o Velho Nick por trás das venezianas do pequeno guarda-roupa onde dorme. O homem que visita o quarto apenas à noite é o seqüestrador que colocou Joy aos 17 anos naquele cárcere e vem, desde então, lhe abusando sexualmente há sete anos.a

Dando em seu primeiro terço de duração apenas a perspectiva da mãe e do filho, o filme de Abrahamson muito rapidamente provoca no espectador o possível sensação do incomodo da clausura, de um cárcere. E faz isso com elegância, sendo rico não apenas nas possibilidades de planos novos que consegue criar dentro de um espaço limitado, mas sendo também dinâmico na sua discreta versatilidade de filmar, como também em aproveitar bem – deixando-nos com interesse renovado – a cada nova situação que surge originalmente saída da cabeça da escritora irlandesa Emma Donoghue, autora do livro homônimo e também responsável pela sua adaptação em roteiro para o filme.

Um exemplo é o surgimento de um rato no quarto, que transforma e miúda vidinha e cabeça de Jack. Circunstância que desperta também em Joy a ideia de que o frágil menino já pode aprender que há algo além das paredes no quarto. E que as pessoas na televisão são seres-humanos de verdade.

Há espaço ainda, nesse pequeno cenário dramático, para mostrar o que significa ser mãe – certamente a mais intensa sensação humana – quando temos o Velho Nick tentando abrir o guarda-roupa onde Jack dorme e Joy imediatamente vira uma leoa para protegê-lo.

Uma circunstância não menos tensa – que não vamos detalhar aqui para não estragar a fruição do leitor que ainda não viu o filme – também é mostrada com maestria por ocasião da fuga de Jack do cativeiro. Mais uma vez, com elementos mínimos, Abrahamson faz seu público se agarrar na poltrona temendo pelo destino do frágil e inocente Jack. Só por esta sequência já seria suficiente para justificar a indicação ao Oscar de direção para Abrahamson e de roteiro adaptado para Donoghue.

Numa segunda parte, não menos sofisticada, O Quarto de Jack apresenta aos poucos o mundo ao garoto já liberto e afunda a mãe num já esperado mar de culpa que se aprofunda quando Joy finalmente cede à insistência de uma rede de tevê que lhe solicita ume entrevista exclusiva.

Se no cativeiro o grande foco estava em Jack, fora dele a câmera do filme olha mais para Joy.

Tendo Joy, como interlocutores nesse processo de adaptação, a sua mãe (Joan Allen), seu padrasto – que nem sabia que tinha -, e seu pai (William H. Macy, pouco aproveitado), a jovem mãe de Jack começa a rever aquilo que perdeu em sua vida ainda adolescente quando foi trancada no cativeiro.

Trancada com Jack agora na casa da mãe para evitar o assédio ininterrupto da imprensa, fica claro para o espectador que ali é um novo cativeiro, também angustiante, mas de uma outra natureza opressora, porque legalizado.

Nesse ambiente da casa, restrito à circulação de sua mãe, do padrasto, de um advogado, um psicólogo e do pai de Joy, o roteiro de Donoghue abre espaço ainda para termos referências de como podem ser distintos os julgamentos das pessoas sobre um caso como o que foi vivido pela protagonista. Tal referência vem pela distinta reação do pai de Joy e a de seu padrasto; sendo, respectivamente, derrotista e proativa.

Nesse turbilhão de trauma para uma vida toda, perambula leve e atento o pequeno Jack, com uma vida inteira pela frente. Há, talvez, apenas um senão para este O Quarto de Jack que se configura em algumas poucas situações em que aquele menino de cinco anos parece tomar iniciativas muito maduras à sua idade, e podem soar especialmente criadas aqui para acertar em cheio o coração já maltratado do espectador, como aquela em que o molequinho vê em seu cabelo a solução de um grave problema.

Mas, pensando melhor, quem nesse mundo pode mensurar o quanto um menininho de cinco anos pode nos surpreender?

4 indicações ao Oscar 2016
– Filme
– Atriz (Brie Larson)
– Direção
– Roteiro adaptado

Para ver com…
Muito Além do Jardim (Being There), filme de Hal Ashby lançado em 1979 com Peter Sellers interpretando Chance. Chance é o que seria Jack de O Quarto de Jack se ele tivesse envelhecido dentro de um mesmo lugar a vida inteira. Em Muito Além do Jardim, o jardineiro Chance passou a vida toda cuidando dos canteiros de uma casa. Seu único contato com o mundo era pela televisão. Quando seu patrão morre, Chance precisa sair da casa e acidentalmente conhece pessoas importantes da sociedade política em Washington, tornando-se ele próprio um involuntário conselheiro. Em 1980, Peter Sellers concorreu ao Oscar, mas quem levou foi colega no filme, o coadjuvante Melvyn Douglas.

Urutau
Na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, encerrada 30 de janeiro último, foi lançado o longa-metragem carioca Urutau, o primeiro de Bernardo Cancella Nabuco. A semelhança da premissa com O Quarto de Jack impressiona uma vez que o filme se concentra na relação de abuso sexual que um seqüestrador mantém com seu prisioneiro. No caso, uma relação homossexual com adolescente. Numa das situações, dentro minúsculo cativeiro, há inclusive a “comemoração” do aniversário do jovem, com direito a um presente dado pelo seu opressor. Como em Jack.

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