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Festivais

1º FINCAR (2016) – A Mulher dos Cães e Taego Awã

Modos de vida de resistência. Dois filmes de estéticas bastante diferentes e particulares.

Por Luiz Joaquim | 11.07.2016 (segunda-feira)

09-jul-2016 (sábado)

JULIANA SOARES LIMA

Resistência substantivo feminino
1. ato ou efeito de resistir.
2. propriedade de um corpo que reage contra a ação de outro corpo.

Dois longas exibidos no FINCAR, a princípio bem distintos, são capazes de provocar sensações bastante semelhantes. Na quinta-feira o longa-metragem da noite foi A Mulher dos Cachorros, ficção de Laura Citarella e Verónica Llinás, e no dia seguinte, o longa documental Taego Awã, co-dirigido por Marcela e Henrique Borela. A grande questão que surge depois de ver os dois filmes em dias seguidos e acompanhar o debate com Marcela Borela é de como pode ser inquietante observar e interagir com modos de vida diferentes do que estamos acostumados, que não condizem com o padrão e com o ritmo de vida que nos são impostos ou que acabamos estabelecendo para nós mesmos.

De roteiro horizontal, A Mulher dos Cães estabelece sua temporalidade a partir da passagem das estações do ano. Não fosse isso, seria difícil estabelecer a porção de tempo abarcada pela narrativa. Distante da cidade, uma mulher vive acompanhada apenas pelos seus cachorros, muitos deles. Com pouquíssimos encontros com outras pessoas, as palavras são inúteis, e em momento algum do filme ela as profere. Não é um filme de começo, meio e fim, é um filme de agoras, de tempo-agora e lugar-agora. Essa mulher, de quem não sabemos nem o nome, estabelece sua rotina imaculada de qualquer interferência externa.

As crianças que lhe apontam o dedo e lhe chamam de bruxa, a médica que lhe receita remédios e, ironicamente, caminhadas, alimentação saudável e um bom descanso, a amiga que lhe oferece um jantar e entretenimento televisivo e o homem que casualmente lhe oferece sexo são interações pontuais que ela não deixa de modo algum que interfiram na sua rotina, que possui uma certa aura sagrada e diciplinar. Só ela e seus companheiros caninos se bastam.

Essa rotina imaculada de interferência externa talvez seja tudo o que a tribo Awã almeja. O documentário dos irmãos Borela foi rodado justamente em um momento tenso da luta da tribo pela demarcação do seu território pelo governo federal: o projeto de demarcação havia sido aprovado e a tribo sofria a ameaça de represálias por parte dos fazendeiros locais. O filme é muito marcado pela tensão que existe entre a tribo e seu exterior. Cercada pelas lavouras, por suas maquinarias pesadas e pelo risco de contaminação por agrotóxicos, que vitimou fatalmente um de seus membros, a tribo resiste e luta resiliente pela manutenção de sua identidade através do espaço.

Um dos momentos mais marcantes do filme se dá por um truque de montagem. É numa cena em que índios assistem na TV imagens em preto e branco, como num filme antigo de ação, de índios que fogem correndo, da beira de um rio para dentro da floresta, de tiros disparados contra eles. Logo a sequência é alternada para imagens da indústria pecuária, cabeças de gado e produtos de exploração mineral. O modo de vida indígena, com todas as suas características particulares, ameaçado em nome do avanço capitalista.

Marcela, no debate, comenta que uma das maiores dificuldades, durante os 15 dias que passou com a equipe no local, foi se adaptar ao tempo dos índios. O ritmo dos indígenas locais contrastava enormemente como a urgência e ansiedade da equipe de filmagem. Os índios do filme de Marcela e a dona dos cachorros das argentinas Verónica e Laura têm em comum essa característica, apesar de motivações diferentes: a resistência através da negação dos hábitos hegemônicos de comportamento. Os dois filmes, ao serem exibidos em dias seguidos, acabam por reforçar seus discursos mutuamente, e dessa forma propõem um deslocamento, uma nova maneira de olhar e lidar com nossos próprios hábitos.

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