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Críticas

Janis: little girl blue

A trajetória da pequena texana, feliz e solitária, que mudou de vez a história do rock.

Por Luiz Joaquim | 03.08.2016 (quarta-feira)

Ela morreu em 1970, aos 27 anos, por uma overdose de heroína. No pouco tempo de vida, tornou-se a primeira grande referência feminina na história do rock’n’roll. E assim será lembrada para todo o sempre.

A pergunta é: por que demorou tanto tempo para termos um documentário sobre a Rainha do Rock? Talvez a resposta esteja no fato de que eram muitos os arquivos visuais e as histórias em torno de Janis. E reuni-las a ponto de verdadeiramente instigar o espectador pelo espírito livre e pelo talento musical da artista era algo a ser desenvolvido com calma, como foi este Janis, little girl blue (EUA, 2015), filme que tomou sete anos da vida da diretora Amy Berg – e amanhã (04/08) finalmente em cartaz no Recife (no Cinema do Museu).

E, curiosamente, da mesma forma que a vida da rock star foi breve, assim parece ser o encadeamento das históricas montadas nesta sua cinebiografia. Em 104 minutos, somos colocados rapidamente a cada uma das fases da cantora, que levaram à seguinte, e à seguinte, e à seguinte fase até o fatídico outubro de 1970.

 

Amy Berg opta por pontuar o seu enredo, logo a partir da adolescência da cantora, destacando a maneira espontânea e deslocada de Joplin na pequena cidade onde nasceu – Port Arthur, Texas, sendo o depoimento da irmã Laura Joplin o mais determinante aqui.

Agregue-se a isso o seu modo incompatível com a própria família, naquele lugar tradicionalista, cuja aparência da menina não se encaixava nos padrões de beleza daquela sociedade ortodoxa, o que a tornava uma estranha no ninho e, consequentemente, enjeitada pelos rapazes.

Berg consegue registrar as memórias de colegas de Port Arthur, que recorda o quanto Janis eram “perigosa” naquela época, quando todos saíam para se divertir e “ela provocava os rapazes nos bares. Sempre corríamos fugidos de lá”, conta um colega da época do ensino médio.

Como não podia deixar de ser, foi pela música que a cantora encontrou sua turma e iniciou os primeiros intercursos cantando, não rock, mas blues e soul. Fã de Aretha Franklin e Otis Redding, ela impressionava ao imitar perfeitamente seus ídolos.

Com a ida para San Francisco, Janis depara-se com a liberdade que nunca tivera em sua cidade. Tanta liberdade lhe custa caro. A imersão nas drogas quase a derrota, tornando-se isto, naquele ponto, algo mais importante que a música. Até que ela encontra os rapazes da banda Big Brother & The Holding Company e volta ao equilíbrio.

Com ricas e belas imagens restauradas de arquivos, somado a depoimentos contemporâneos colhidos com integrantes da banda – como Dave Getz e Sam Andrew -, o filme reconta os bastidores da apresentação no Festival Monterey Pop, que deu ao mundo as primeiras imagens fortes de performances de Janis, com total domínio do palco (ainda que chapada).

A partir daí, percebe-se fácil o magnetismo que a deixou famosa rapidamente, mesmo que a potencia de sua voz ainda estivesse ali ou aqui sendo apontada como um disfarce para algumas falhas.

A separação dos Big Brother e a conseqüente turnê na Europa, com Janis assumindo a liderança de suas bandas de suporte, a Kozmic Blues e a Full Tilt Boogie, não saíram exatamente como esperado, e Little girl blue, o filme, nos leva nesse ponto a um lado mais pessoal da cantora.

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Com uma nova liberdade, e ao mesmo tempo com uma solidão cada vez mais opressora – Janis acreditava que poderia casar com seu parceiro David Niehaus, que conheceu no Rio Janeiro, quando veio ao carnaval de 1970.

O enredo sugere que ali as drogas deixaram de ser uma fonte de prazer para virar um refúgio contra os buracos de tristeza que Janis precisava cobrir quando não estava no palco. Este sim, o lugar onde ela recarregava seu espírito, trocando a energia que vivenciava com seu público.

Antes do fim, o filme deixa claro como era grande aquela cantora, e profissional, com incríveis imagens do estúdio de gravação de seu último álbum, Pearl, lançado postumamente em 1971. Sob a produção de Paul Rothchild o talento de Janis pareceu refinar como nunca antes.

Além dos depoimentos colhidos por Amy Berg, Little girl blue nos dá uma palha dos sentimentos que passavam pela cabeça da cantora na escalada de seu sucesso a partir das cartas – no filme com narração de Cat Power – que Janis escrevia para sua família. Família que via nela um equívoco e não um sucesso.

Num dos momentos mais duros sobre essa rejeição, vemos Janis voltar para uma festa em Port Arthur, dez anos após deixar a cidade, já famosa, e ainda mais “estranha” aos olhos dos ex-colegas do ensino médio. Enquanto repórteres lhes perguntam como foi sua adolescência ali, Janis quase não consegue responder.

Entendemos, enfim, que não é só pela performance no palco e pela voz potente que Janis Joplin tornou-se uma referência para as mulheres no mundo inteiro. E o filme deixa isso claro.

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