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Festivais

49º Brasília (2016) – noite 5

Papo de branco

Por Luiz Joaquim | 25.09.2016 (domingo)

BRASÍLIA (DF) – “Isto está parecendo o que chamamos de ‘papo de branco’”. A fala foi dita pela índia Daiara Tukano no mais polêmico debate (até o momento) dos filmes em competição no 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Tukano era a única representante indígena na plateia do tal debate, realizado na manhã de hoje (25), e sua posição foi definitiva para encerrar um confronto caloroso e tenso que se tornou bipartido sobre o longa-metragem Antes o tempo não acabava, rodado em Manaus por Sérgio Andrade e Fábio Baldo.

O enredo ficcional do filme traz uma perspectiva, talvez inédita na dramaturgia de nosso cinema, sobre um jovem índio – Anderson (Anderson Tikuna) – que vive em conflito com sua orientação sexual e com a própria cultura de seu povo.

O personagem foi criado na periferia de Manaus e posteriormente vai ganhando novas experiências na complexa e conturbada capital do Amazonas. Nesse processo vamos acompanhamos os movimentos de Anderson para ganhar uma identidade branca e descobrir sensações bissexuais com seu próprio corpo, além de desconfianças com ONGs.

O aspecto denotador das duas posições bipartidas no debate foi suscitado por textos lidos por uma perspectiva antropológica colocada por representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) presentes na plateia. Alegou-se um descuido no enredo que corromperia o conceito da “ideologia integracionista” num momento delicado da causa indígina.

Ainda foi questionado onde estaria a responsabilidade ao colocar em destaque (da forma como vemos no filme, não elogiosa) a postura negativa de ONGs sem outra contextualização maior; e ainda, como a composição infanticida que o filme suscita seria perigosa a uma leitura previamente preconceituosa do público.

A homossexualidade do índio foi lembrada pela indigenista como uma prática historicamente não estranha àquela comunidade, levantando daí outra crítica a postura do personagem do pajé em Antes o tempo não acabava, uma vez que o velho índio ganha um status de “repressor” da opção sexual de Anderson ao submetê-lo a um novo ritual da Tucandeira.

No caso, o ritual foi aplicado a Anderson originalmente na puberdade para reforçar sua masculinidade na coragem como guerreiro – um rito mostrado como tradicional naquela tribo -, mas quando aplicado na vida adulta surge como uma espécie de “cura gay”. “O público é genérico, e com um discurso genérico o filme é perigoso. Essa representação que o filme propõe incide na realidade, e é isso que nos preocupa”, resumiu-se ao fim da posição contra o filme.

Num outro lado, pela defesa do filme, colocou-se que a liberdade da criação artística de um filme não deve ser pautada por suas implicações sociais, até porque, como medir isso?

Mas, mais uma vez, a reflexão definitiva sobre o imbróglio saiu da boca de Daiara Tukano ao nos lembrar que o modo que o índio é representado pelo branco está sempre como o de uma figura estática. “E sendo assim é importante que também sejamos representados por dilemas com questões de gênero. Afinal, no que se refere a dizer o que é ou não ser índio, cabe apenas a nós”, concluiu.

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Na foto divulgação de Júnior Aragão, equipe de “Elon”. Da direita para a esqueda, Thiago Macedo, Heitor, Clara Choveaux, Rômulo Braga, Ricardo Alves Jr. e Luiz Joaquim (mediador).

ELON – Numa sessão anterior a Antes o tempo não acabava, a noite de ontem exibiu o longa mineiro Elon não acredita na morte, o primeiro dirigido por Ricardo Alves Jr.

Desenvolvido a partir de um personagem real mostrado por Ricardo no seu curta documental Tremor (premiado aqui em Brasília em 2007), o Elon ficcionalizado é interpretado por Rômulo Braga.

No drama, Elon vai enlouquecendo aos poucos enquanto tenta entrar em contato com a desaparecida esposa Madalena (Clara Choveaux, de O Pornógrafo e Tiresia, ambos de Bertrand Bonello).

Aqui o aspecto em maior destaque aponta para a relação do protagonista com seu espaço, no caso de Elon não acredita na morte, em ambientes fechados e claustrofóbicos, e no curta mineiro que o acompanhou na sessão – Estado itinerante, Ana Carolina Soares – pelos ambientes abertos, mas também inóspito em Belo Horizonte. Neste caso, num desenho belo, entre a tristeza da opressão masculina e a conquista da liberdade, que Ana Carolina desenha aqui.

Houve ainda o olindense O delírio é a redenção dos aflitos, de Felippe Fernandes, também moldando  o movimento da protagonista Raquel (Nash Laila) a partir da urgência de iniciar uma nova vida a partir de um espaço físico (um prédio) condenado a desabar.

*Viagem a convite do Festival

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