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Festivais

49o Brasília (2016) – balanço

O prêmio que viria, mas não veio, para coroar uma edição já politicamente histórica.

Por Luiz Joaquim | 28.09.2016 (quarta-feira)

BRASILIA (DF) – Ao iniciar a divulgação dos prêmios do 49o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro na noite de ontem (27), o primeiro contemplado foi Martírio, de Vincent Carelli. Estava recebendo pelo júri oficial uma menção honrosa que, como se sabe, costuma indicar uma cisão interna na decisão do júri quanto à definição de qual filme eleger como o melhor.

Essa informação divulgada já no início da premiação esfriou uma expectativa generalizada que circulava nos bastidores em torno de Martírio. A expectativa era a de que ele levasse o prêmio máximo marcando-o, nesta edição tão politicamente definida do festival, como uma obra símbolo (também em termos cinematográficos) de uma seleção engajada contra o atual “momento sombrio da realidade nacional”, tal qual foi dito várias vezes no palco do Cine Brasília.

Não à toa, quase que a totalidade dos filmes projetados na competitiva eram precedidos por uma vinheta (por decisão dos realizadores) com o dizer: “Cinema contra o golpe” – sem falar nas camisetas com estampas-protesto que quase todos vestiam.

No final, o melhor longa-metragem anunciado foi A cidade onde envelheço, de Marília Rocha (que levou também os Candangos de direção, ator coadjuvante com Wederson Neguinho, e atriz, em conjunto para as protagonistas Elisabete Francisca e Francisca Manuel).

Mas, antes do anuncio principal da noite, foi divulgado o titulo de melhor filme eleito pelo júri popular: Martírio. O entusiasmo da platéia, já sabendo que este mesmo titulo não levaria o prêmio máximo, tornou-se barulhento e evidente sobre quem havia conquistado Brasília neste 2016.

Ovacionado e aplaudido de pé, Carelli e equipe lembraram que, como os protagonistas de seu filme, os índios Guarani Kaiowá, a nossa sociedade está vivendo pelo atual governo federal um estado de exceção, e que era com os Kaiowá, ainda hoje oprimidos, que deveríamos aprender a resistir.

Ao lembrar da importância de Martírio não queremos rebaixar a importância de A cidade onde envelheço – uma bela obra e provocadora estética e tematicamente -, mas apenas ressaltar a chance que o júri oficial perdeu aqui de fazer da premiação desta 49a edição também um marco histórico político. E sem favorecimentos, uma vez que Martírio, com sua rigorosa pesquisa histórica e de campo num roteiro e montagem inteligente, não abre espaço para favores.

O que faz lembrar uma situação próxima, acontecida em Gramado 2012, quando o júri preteriu O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, em favor de… como é mesmo o nome daquele filme? Alguém aí lembra? Colegas, de Marcelo Galvão.

Por outro lado, alguns prêmios confirmaram uma leitura gritante e óbvia de talentos que se destacaram por aqui neste ano. Além das atrizes portuguesas de A cidade onde envelheço, Rômulo Braga levou pelo seu ótimo trabalho em Elon não acredita na morte, de Ricardo Alves Jr.

Outra unanimidade foi o curta-metragem mineiro Estado itinerante, de Ana Carolina Soares (também contemplado com um Prêmio especial do júri, e ainda lembrado pela sua atriz Lira Ribas) e pelo júri a critica, a Abraccine.

A categoria de direção de arte foi em ambas disputas – longa e curta – para Pernambuco, respectivamente no nome de Renata Pinheiro (Deserto) e Thales Junqueira (O delírio é a redenção dos aflitos). O diretor deste último, Fellipe Fernandes, levou ainda direção e roteiro.

O melhor curta foi, também premiado com coerência, a animação Quando os dias eram eternos, de Marcus Vinícius Vasconcelos. Ivo Lopes também marcou (mais uma vez) seu nome como um dos grandes fotógrafos de sua geração. Saiu de Brasília contemplado nas duas categorias possíveis – longa e curta – respectivamente por O último trago, do coletivo Alumbramento, e por Sólon, de Clarissa Campolina.

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Orquestra Marafreboi, de Brasília, e Caboclos de Lança na cerimônia dos 20 anos de O baile perfumado (foto, Luiz Joaquim)

O BAILE AMPLIFICADO – Antecedido pela apresentação da música Praieira, do Chico Science e Nação Zumbi, tocada pela orquestra local Marafreboi, a apresentação da homenagem aos 20 anos e projeção de O baile perfumado (melhor filme eleito naquele mesmo cinema em 1996) prometia.

E de fato emocionou com direito a discursos comovidos de seus diretores Paulo Caldas e Lírio Ferreira, alem de Vânia Debs (montadora) também no palco. Foi ofuscada apenas pela projeção do filme em si.

A imagem – gerada via arquivo DCP – foi projetada por uma máscara ajustada para o formato Cinemascope (proporção 2,35:1) quando a proporção de O baile… é 1,85:1.

Resultou em imagens cortados na parte superior e inferior da tela pela amplificação da imagem. Legendas para a fala estrangeira do personagem Benjamin Abraão, também agigantadas, pareciam, no caso, calibradas para míopes, com o detalhe que as pernas de ‘g’, ‘p’ e ‘q’ também eram sacrificadas se estivessem na linha inferior das legendas.

Mas, o que se lamenta é mesmo a redefinição de um enquadramento pela projeção que originalmente seria para propor um efeito outro, dentro da proporção 1,85:1. Um pena considerando esse trabalho belamente captado por Paulo Jacinto (o Feijão), falecido em 2011, a quem Paulo Caldas dedicou a sessão de ontem (27) como também para Germano Coelho e Chico Science.

Em 1996 esta seria uma confusão que certamente não teria passada incólume mesmo para uma platéia tecnicamente leiga no Cine Brasília, uma vez que ali, um rolo de filme com enquadramento plano correndo por trás de uma lente anamórfica proporcionaria uma distorção terrível na tela como, por exemplo, o rosto “esticado” dos atores. E a falha, imagino, seria logo corrigida.

Na mesma noite houve ainda, para contrabalancear, Jean-Claude Bernardet recebendo a primeira Medalha Paulo Emílio Sales Gomes. Uma lindeza de data histórica, esse 27 de setembro de 2016.

*Viagem a convite do Festival

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