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Festivais

40. Mostra de SP (2016) – dia 3

Dois filmes sobre mulheres e o peso da responsabilidade pela morte de um estranho.

Por Luiz Joaquim | 22.10.2016 (sábado)

SAO PAULO (SP) – Curioso como uma ligação une e ao mesmo tempo afasta violentamente dois filmes já exibidos aqui nesta 40o Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. São A garota desconhecida (foto acima), dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, e a co-produção franco-alemã 5 mulheres (5 frauen), de Olaf Kraemer (escritor alemão, estreando na direção).

Sendo ambos filmes protagonizado por mulheres, ambos também tem como leitmotiv dramático a inesperada chegada da morte de um estranho. O ponto que os distancia está no sentido pelo qual como esta morte afetará as protagonistas.

Esquemático e primariamente desenvolvido, 5 mulheres pouco se interessa pelo significado da morte, concentrado-se mesmo é no efeito legal que essa situação trará à vida das assassinas. É complicado também (no mal sentido) como Kraemer resolve a “absolvição” das mulheres ao nos informar que o morto era, na realidade, um prisioneiro fugitivo.

A estrutura criada pelo autor nos coloca numa linda casa no campo, ao sul da França na qual cinco amigas se reúnem anualmente sem seus companheiros. Uma delas, Marie (Anna Konig), reside ali mesmo, tentando expurgar, enquanto produz pinturas, o trauma de um estupro vivido no passado.

No final de semana que seria para relaxas, as moças reagem exageradamente a um invasor, e elas se vêem numa complicação na qual a grande questão é livrar-se de um corpo morto. Kraemer não abre muito espaço para o que moralmente significa ter tirado a vida de uma pessoa.

Numa direção radicalmente diferente, acompanhar qualquer filme dos belgas Dardenne nos oferece o oposto – no sentido de que somos levados a refletir até o limite sobre o sentido de uma responsabilidade humana e social.

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cena de “5 Mulheres”

No caso de A garota desconhecida temos a bela e talentosa Adèle Haenel (apresentada ao mundo em Lírios d’água, 2007) como a competente médica Jenny.

Dividindo-se entre um pequeno consultório, onde atende pacientes pobres, e uma nova carreira financeiramente mais rentável que se lhe apresenta vinculada a um grande hospital, entendemos Jenny já nos primeiros cinco minutos do filme. Ela é uma profissional que chegou onde chegou por simplesmente nunca se envolver emocionalmente com seus pacientes. A marcação de contrastes disto está no seu estagiário Julien (Olivier Bonnaud), que entende a medicina como o oposto da prática de Jenny.

Muito rapidamente, um fato relacionado à rígida disciplina de Jenny muda a direção de sua vida. Esse fato envolve a morte de uma jovem desconhecida e transforma a doutora completamente.

A partir daí, A garota desconhecida faz da figura de Jenny uma espécie de corporificação humana do ideário Francês da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Num primeiro momento, a culpa pode ser lida aqui como o motor que movimenta a doutora para descobrir a identidade da falecida e daí poder lhe proporcionar um mínimo de dignidade, ainda que depois de morta.

Depois, é fácil enxergar que a circunstância criada pelos Dardenne é uma estrutura (e que estrutura!) para falar de moral e dignidade, e da não-dissociação da responsabilidade profissional com a responsabilidade social e principalmente humana – algo que diz respeito, à propósito, a toda filmografia dos irmãos belgas.

Sempre importante registrar a fluidez dramática, bem encenada e envolvente nos filmes dos Dardenne. E não é diferente neste A garota…, em que tudo parece muito real, verdadeiro. Quase como um documentário, de tão justo e coerente neste preciso roteiro humanista.

Seja pela tradicional proximidade da câmera ligada ao corpo dos atores, seja pela contenção nas performances desses mesmo atores – ainda que nos deixando claro a dimensão de sua angustia interiormente represada – A garota… parece ser um filme fácil de ter sido realizado. E até é, mas só se você se chamar Jean-Pierre ou Luc Dardenne.

Viagem a convite da Mostra de SP

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