Celebridades
Pra ficar fraquinho das pernas
Por Luiz Joaquim | 10.11.2000 (sexta-feira)
Não é uma crítica. É mais um breve comentário do que significa Celebridades (Celebrity, EUA, 1998), novo filme (no Recife) de Woody Allen, em cartaz (10.nov.2000). Antes de expor qualquer palavra de sentido a respeito de mais uma peça de arte do homem que melhor representa o ser-urbano na tela grande, segue a breve sinopse do enredo.
O que é Celebrity? É os percalços pelo qual o casal quarentão (Kenneth Branagh e Judy Davis) vive a partir de uma crise. Depois de separados, cada um segue seu caminho, tentando nova vida, sem excluir os esbarrões que as coincidências numa cidade grande sugere. A celebridade do título é exatamente a que o jornalista Lee (Branagh) procura, andando de um lado para o outro, atrapalhado, para conseguir que seu roteiro seja filmado com uma estrela hollywoodiana.
Nessa busca ele acaba se deparando com figuras diversas, todas com a mesma finalidade na vida: serem astros; alguns, ainda em início de carreira, outros tentando se manter no topo e ainda aqueles que têm problemas para lidar com ela. Destaque aqui para Leonardo DiCaprio, a época, no auge do sucesso de Titanic, vale lembrar.
Agora segue os efeitos do que o, aparentemente simples, foi descrito acima. O longa poderia ter sido frio se não fosse conduzido por um artista dotado de sintonia sóbria com o que há de mais sombrio na cabeça de um homem contemporâneo. Ainda bem que esse homem existe, e atende pela alcunha de Woody Allen.
Saí fraquinho das pernas ao final da sessão de Celebrity. Depois da sessão-maravilha, me dei conta de que havia tempo que não assistia um filme e, imediatamente depois, dizia pra mim mesmo: “preciso ter esse filme comigo”. Como quem quer ter um quadro de beleza aliviante, ou um livro poderoso na sua biblioteca. Com Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianche, aconteceu algo parecido, mas foi apenas ‘parecido’.
Isso aconteceu porque Cronicamente não dá prazer ao espírito, pelo contrário, ele alfineta o espírito. Já Celebrity…. O filme é sobre gente que envelhece sem saber para onde está indo, e o que não sabe muito bem o que fez da vida, a vida inteira. Ou seja, o tema clássico de Allen quando se propõe a fazer filmes ‘sérios’.
Tem gente que diz que se François Truffaut estivesse vivo poderia estar fazendo porcaria hoje em dia. Será? Será que se Allen tivesse morrido depois de Hannah and Her Sisters os pentelhos intelectualóides iriam falar a mesma coisa? Que blasfêmia seria, não?
O curioso é que há uns 10 anos eu vi Allen na TV e pensei: “Pô, ele tá velhinho.
Em breve morre. Aí, quem vai fazer o que ele faz?”
Um amigo, dono do curioso apelido de Tenente Wolf do Quartel, perguntou: “É melhor ou pior do que Desconstruindo Harry?” (pergunta clássica de quem não quer arriscar 11 paus no cinema com um filme ruim. Certo ele!) Eu, por minha vez, demorei um tempão para responder. Disse que não dava pra responder, comparar. O anterior é mais desprendido, esse é mais reflexivo.
Aconteceu muitas coisa estranhas comigo a medida em que a fita de Celebrity corria. Por alguns momentos, pensei que o filme não era de Allen, mas de alguém que fazia um filme muito parecido com os dele. Estava achando o filme delicioso e pensava, “alguém (outra pessoa) podia ter feito esse filme”. O mundo ia babar e dizer que ali estava o novo Allen. Mais ágil, mais juvenil, mais vigoroso e, apesar disso tudo, guardando a mesma afinidade intelectual e a virtuosa ironia do maduro diretor nova-iorquino. Com a mesma perspectiva ácida em cima da fauna que habita o urbano. O interessante é que autor desse filme é o próprio Allen. Ninguém mais.
Um Deus do cinema que ainda vive entre os mortais.
E o final? Que me deixou fraquinho das pernas? Duas coisas contribuíram para eu ficar pensando que o filme tinha sido dirigido por um outro Allen. Uma foi a imitação de Branagh à Allen. Não me incomodou, mas ficava tendo saudades da imagem de Allen gaguejando e fazendo aqueles exatos gestos de Branagh. E como desejei ver o velhinho em ação, com aquela gata na cama, ao lado de DiCaprio fornicando com outra.
Não teria sido mais hilário? Allen e DiCaprio na mesma cama? Histórico !!
A outra coisa foi o final, anti-allen. Senti uma tristeza que quase igualava ao do jornalista Lee. Fiquei lembrando dos outros finais de Allen. Ele sempre dizia que não gostava da realidade porque não podia manipulá-la. O cinema é que era legal. Ali, ele dava o destino que quisesse aos seus personagens. Lembro do final arrasadoramente esperançoso de Manhattan, e do miraculoso final de Hannah and Her Sisters. Em Celebrity (que, sobre celebridades, tem pouca coisa), Allen deixa aquele vazio atordoante sobre o que é certo, ou errado, na vida.
Me acabei.
Mas o que quero lembrar aqui é o seguinte: Atenção, gente que pensa! Allen é um dos poucos cineastas norte-americanos que circula no meio yankee com alguma coisa valiosa para dizer ao mundo (é só pra lembrar, pois, pra quem pensa, isso não é novidade). Resumindo. Vá ao cinema ver e rever Celebrity.
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