Matisse x Picasso: um duelo sem perdedores
Editora Melhoramentos lança o ensaio “Matisse e Picasso”
Por Luiz Joaquim | 05.12.2001 (quarta-feira)
Uma valiosa contribuição para entender a história da arte chega às livrarias do Brasil via Editora Melhoramentos. Trata-se do ensaio “Matisse e Picasso” (R$ 89, 272 páginas), do argelino radicado na França Yve-Alain Bois. Considerado um dos principais especialistas em arte moderna do mundo, Bois reúne aqui quase uma década de vasta pesquisa sobre o relacionamento entre os dois grandes pintores do século 20. A labuta serviu de base para concretizar a exposição “Matisse & Picasso: A Gentle Rivalry”, realizada ano passado (2000) no Kimbell Art Museum, no Texas, EUA. Foi para servir como catálogo desta mostra – a maior dos dois artistas nos últimos 50 anos – que nasceu o livro.
No ensaio, Bois rejeita a tese de que os dois pintores tenha apenas se influenciado mutuamente. Através de uma criteriosa justaposição de imagens das obras dos dois artistas, feitas aqui pela primeira vez, o autor faz entender que a própria noção de ‘influência’ tem uma conotação pacífica, o que não combinava com a conhecida exploração do espanhol Pablo Picasso (1881-1973) por todos os estilos, contemporâneos ou não a sua época.
Auxiliado também por uma vasta documentação revelando como os dois artistas se referiam verbalmente, Bois mostra que a evolução na pintura de ambos está ligada tanto pelo diálogo pacífico que um matinha com o outro, quanto pelo menosprezo que chegou a existir entre os dois. E foi no jogo de xadrez que o crítico argelino encontrou a metáfora mais adequada para relatar em seu livro esta relação estimulada pela rivalidade competitiva, recheada com variadas formas de réplicas. Como numa estratégia enxadrista, Bois explica que Matisse e Picasso pensavam nas conseqüências dos movimentos do outro; sempre antecipando uma resposta.
JOGO – Quem mexeu a primeira peça foi Picasso, com um marco da arte moderna: “As Senhoras de Avignon”, em 1907; isso um ano depois de o francês Henri Matisse (1869-1954) tê-lo iniciado na arte africana. Mas foi em 1916 que o quadro “Natureza-morta com Colocíntedas”, de Matisse, marcou o apogeu de um troca de provocações particularmente intensa entre os dois gigantes. Picasso sabia que Matisse criara a pintura em resposta ao cubismo e que ali ele tinha conseguido alcançar um equilíbrio entre seu sistema próprio e o estilo cubista.
Só em 1932 Picasso daria sua resposta, não menos provocativa, mostrando “Natureza-morta: Busto, Fruteira e Paleta”, com um detalhe: o trabalho foi apresentando na primeira grande retrospectiva do espanhol, nas galerias George Petit, exatamente um ano depois da retrospectiva de Matisse, no mesmo lugar.
A partir de uma observação do psicanalista Harold Bloom no livro “The Anxiety of Influence”, Bois busca a explicação para as limitações de Picasso ao criticar o trabalho de Matisse – como aconteceu ao pintar “Grande Nu na Poltrona Vermelha” (1929), uma depreciação clara ao “Odalisca com Tamborim” (1926), de Matisse. Bois descreve que ao parodiar seu rival, o espanhol é obrigado a adotar elementos do sistema matissiano, e que seria melhor ter deixado de lado.
Dois anos depois, Picasso espeta novamente seu opositor com “Mulher com O Cabelo Amarelo” (1931), e ainda manda um recado: “É isso o que eu faria se fosse você”. A partir daí, o jogo começa a inverter e, só em 1940, depois de uma fazer uma pesada autocrítica sobre sua linguagem, Matisse dá o troco ao espanhol com a nova versão de “O Sonho”; e lhe escreve: “…Só que você não precisou abandonar as dissociações cubistas para satisfazer as exigências da demonstração. E você sabe, muito bem, que minhas cores são mais sutis do que você quer admitir…”.
Apesar da afronta, no mesmo ano, o francês volta a apelar para Picasso na colagem “Natureza-morta com Concha” (1940). Ali, ele revela ao amigo Théodore Pallady ter atingido o que dizia ser “seu limite do que poderia fazer no sentido abstrato”.
Farpas a parte, a intensa competição velada não passava de uma cortina que escondia o respeito entre os dois artistas. Em 1941, ao encontrar Max Jacob nos bulevares franceses, Matisse disse: “Se não fizesse o que faço, queria pintar como o Picasso”
Do outro lado, na década de 50, Picasso se referia com orgulho a “O Retrato de Marguerite” (presente que recebera de Matisse em 1907) com o seguinte comentário: “Seria bom por lado a lado tudo o que Matisse e eu fizemos naquela época. Nunca ninguém enxergou a pintura de Matisse como eu. E foi ele quem melhor enxergou a minha”. Meio século depois, Yves-Alain Bois assina embaixo com seu ensaio.
Serviço
Matisse e Picasso. De Yves-Alain Bois. Editora Melhoramentos. 272 páginas. R$ 85,00.
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