O Aviador
Competência é fazer o mesmo diferente
Por Luiz Joaquim | 08.02.2005 (terça-feira)
Ao entrar no cinema para assistir “Aviador” (The Aviator, EUA, 2004), filme de Martin Scorsese que estréia hoje, o espectador pode ter certeza que estará preste a testemunhar a projeção de uma obra de arte. Um filme feito por um dos poucos e legítimos autores vivos do cinema norte-americano a trabalhar com grandes estúdios. Junto a Copolla, Woody Allen e Eastwood, Scorsese, sem nunca ter recebido um Oscar, é dono de um prestígio alcançado pelo seu talento, paixão, comprometimento e inventividade como homem que pensa o cinema.
Procurar inovações estéticas ou narrativas em “O Aviador” para justificar sua excelência é bobagem. O valor desta mais nova referência do cinema está contida na reafirmação daquilo que Scorsese acredita como cineasta, e que vem depurando há três décadas. Competência é fazer o mesmo diferente. E nisso Scorsese é mestre.
Na figura do excêntrico diretor de filme e milionário Howard Hughes (1905-1976), interpretado por Leonardo DiCaprio (equilibrado como nunca esteve em nenhum outro filme), Scorsese faz aqui mais uma descarada declaração de amor ao cinema e às figuras que viram mito e não se cabem no aspectos de um homem comum. É assim com Travis, em “Taxi Driver”, com Jake LaMotta, em “Touro Indomável”, com e Cristo em “A Último Tentação de Cristo”, e com Max Cady em “Cabo do Medo”).
A medida em “O Aviador” é da complexidade e ambigüidade da figura de Hughes (que podem ser lidas na mesma equivalência). Aqui está um homem apaixonado pela aviação, criador da companhia aérea TWA, e fascinado pelas possibilidades infinitas e fantásticas do cinema. Paralelo a tudo isso, Scorsese nos apresenta o Hughes portador de Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), uma psicopatologia desconhecida em sua época mas facilmente diagnosticada hoje.
Vagueando entre estes três perfis, o empresário, o cineasta e o louco, Scorsese nos oferece seu Hughes como um monstro shakespeareano, profundo tanto em seu heroísmo de super-homem quanto em sua tragédia de doente, incapaz de controlar sua neurose. A partir do TOC de Hughes, Scorsese eterniza mais uma frase pelo cinema. Assim, “Show me the blueprints” e (“Mostre-me as cópias heliográficas”), junta-se a “Are you talking to me?”, “I’ll be back” e “We’ll always have Paris”, entre outras.
O domínio da arte por Scorsese fica aqui mais exposto nas situações extremas. Ele parace falar de si mesmo quando, por exemplo, mostra a luta de Hughes para finalizar “Anjos do Inferno” (Hell’s Angels, 1930), espécie de “Titanic” de sua época, pelo alto custo, número de dificuldades e sucesso de público; ou quando o empresário promove o apoteótico vôo do “Hercules”, o maior avião do mundo de então. Ou ainda no espetacular acidente aéreo com o qual Scorsese quase recria um mesmo plano de “Anjos do Inferno”.
Ao mesmo tempo, seqüências modestas também trazem sua galhardia cinematográfica. Nos momentos íntimos que mostra de Hughes com a namorada Katherine Hepburn (Cate Blanchett, magistral), Scorsese dá o instante romântico do filme de forma genuína, apresentando um relacionamento recíproco entre duas pessoas incomuns sem que isso pareça estranho mas, ao contrário, natural. Vale ressaltar o talento de Blachett, que faz uma Hepburn aristocrática da Nova Inglaterra sem nunca desandar para a caricatura.
Para quem ainda não sabe, “O Aviador” é o mais importante concorrente ao Oscar 2005. Briga por 11 estatuetas: filme, diretor, ator, roteiro original, ator e atriz coadjuvantes, fotografia, som, montagem, figurino e direção de arte.
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