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Críticas

Os Infiltrados

Eles

Por Luiz Joaquim | 10.11.2006 (sexta-feira)

Scorsese é um conjunto de letras que sempre suscita
interesse por gente que gosta de cinema. Ele, o
conjunto, forma o nome do autor cinematográfico
nova-iorquino que melhor vem construindo, há mais de
três décadas, uma estética de identidade para o
submundo do crime norte-americano. Com mais de 20
longas-metragens no currículo, hoje estréia o seu “Os
Infiltrados” (The Departed, EUA, 2006), feito a partir
do original de Hong Kong, “Mou gaan dou” (ou “Infernal
Affairs”), escrito e rodado por Siu Fai Mak em 2002.

O mote aqui apresenta dois policiais recém-formados:
Costigan (Leonardo DiCaprio) disfarçado e infiltrado
na máfia, e Sullivan (Matt Damon) um mafioso
infiltrado no departamento de polícia estadual. Sem
exagero, “Os Infiltrados” talvez seja o mais pulsante,
coeso, equilibrado e tenso dos filmes de Scorsese
desde “Os Bons Companheiro” (1990).

Há no novo filme uma orquestração de perfeita
simetria, dando equilíbrio nesse jogo de espelhos
entre os dois protagonistas opositores e
complementares. Logo na abertura, vemos imagens
“velhas” mostrando uma vizinhança de Boston com uma
voz em off dizendo: “Não quero ser produto do meio,
quero que o meio seja um produto meu”. A frase é quase
o fundamento de tantas outras crias do diretor para o
cinema, dos quais talvez o mais famoso seja o
motorista de táxi Travis, concebido há 30 anos.

Uma vez que ali qualquer um dos garotos irlandeses
daquela vizinhança em Boston crescem para virar
policial ou criminoso, o que se vê na seqüência é o
menino Sullivan ser adotado como pupilo pelo mafioso
Frank Costello (Jack Nicholson) Como um pai, ele educa
Sullivan para ser um policial, e assim tê-lo como
informante dentro da polícia.

Essa ambigüidade, entre o bem o mal, no mundo de
Scorsese, aparece como uma maldição. Aqui, ganha cores
fortes, e de forma mais opressora em Costigan. Um
jovem que tornou-se policial para esquecer a família
inescrupulosa da qual sempre quis fugir. Ele, como
Sullivan, é um órfão.

O risco no serviço de infiltração é grande para os
dois, mas a agonia de Costigan em portar-se como um
assassino frio e cruel para ganhar confiança na máfia
de Costello é mais perturbadora. E DiCaprio, numa
atuação ainda melhor que em “O Aviador” (2005), traduz
esse terror fácil, com expressões que lembram um
úlcera poderosa atacando o estômago.

Apesar das quase duas horas e meia de duração, “Os
Infiltrados” não oferece nenhum momento maçante. Pelo
contrário, distribui cargas de tensão cada vez mais
potentes, e a cada possibilidade dos espiões serem
desmascarados, Scorsese genialmente vai aproximando-os
até fazer acontecer o fatídico encontro.

É excitante rever Scorsese de volta, com confiança e
ferocidade, ao seu, digamos, habitat natural. Um
submundo coabitado por italianos, padres e mafiosos.
E, apoiado por coadjuvantes afinadíssimos – Marc
Walbergh e Alec Baldwin estão perfeitos – Scorsese
mostra também que sua criatividade para reinventar a
imagem da violência continua fresca.

Com o apoio do roteirista William Monahan – que
caprichou nas frases “macho” para este universo de
poucos escrúpulos – “Os Infiltrados” e o talento de
Scorsese apresentam-se como a resposta perfeita para a
pergunta: “por que nos vamos ao cinema mesmo?”

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