10ª Mostra de Cinema de Tiradentes, 2007, (2)
Querô impressiona Tiradentes
Por Luiz Joaquim | 22.01.2007 (segunda-feira)
Tiradentes (MG) – Na manhã do sábado passado, por ocasião do debate promovido pela curadoria da 10º Mostra de Cinema de Tiradentes sobre os caminhos percorridos pelo cinema brasileiro de 1997 até hoje, a declaração do cineasta Beto Brant sobre a abertura do evento, acontecido na noite anterior, talvez tenha sido a mais precisa. Brant, homenageado aqui como o ‘cineasta da década’ segundo a votação entre 41 pensadores de cinema do país, comentou: ‘Tiradentes [o mártir] é considerado um dos maiores insurrectos de nossa história, e quero registrar meu aborrecimento por ter participado ontem de um espetáculo para o poder’.
O diretor de ‘O Invasor’, considerado pela mesma votação como um dos três filmes que melhor representam a última década (alem de ‘Central do Brasil’ e ‘Cidade de Deus’), referia-se a extensão por mais de duas horas da abertura, que deu voz ao prefeito de Tiradentes, a prefeitura de Belo Horizonte, a secretária de cultura do Estado de Minas, a um deputado local, além do patrocinador da Mostra entre outros, com discursos que muito pouco tinham a acrescentar. A queixa de Brant, junto aos comentários que circulavam entre os convidados, parece ter tido efeito. Em off, sabe-se que Raquel Hallak, coordenadora geral da mostra, garantiu que no próximo ano o tom será diferente.
A mostra esquentou mesmo na noite de sábado com a exibição de três longas inéditos no circuito comercial. Em tela armada na praça Largo das Forras, foi exibido ‘Noel, Poeta da Vila’, uma ficção de Ricardo Van Steen sobre vida e obra de Noel Rosa. Já na Cine-Tenda, uma superestrutura que recria as condições ideais de uma sala de cinema (fechada e climatizada) com 700 lugares, foi projetado ‘Querô’, de Carlos Cortez, seguido por ‘O Cheiro do Ralo’, do pernambucano Heitor Dhalia.
Em ‘Querô’, baseado em obra de Plínio Marcos, se vê um retrato cru e impactante do trajeto de degradação humana vivida pelo menino Querô (hipnoticamente interpretado pelo não-ator Maxwell Nascimento, eleito melhor ator em no último Festival de Brasília). Vivendo de pequenos delitos pelo porto de Santos, Querô é empurrado para o inferno da marginalidade e quase sem direito a redenção. Num equilíbrio delicado, Cortez e Nascimento conseguem dar uma verniz digno de humanidade ao personagem que, normalmente é visto apenas pelo seu aspecto marginal. A primeira impressão, finda a projeção, é a que ‘Querô’ é uma espécie de ‘Pixote’ dos anos 2000. O crítico gaúcho Marcus Mello, no debate na manhã de ontem, lembrou que a obra que deu origem a ‘Querô’ veio antes da que inspirou o filme de Babenco.
Já ‘O Cheiro do Ralo’, que na mesma noite promovia uma sessão no Sundance Film Festival (Utah, EUA), tinham em comum com ‘Querô’ apenas o fato de que ambos foram adaptados de romances. O filme de Dhalia vem do livro homônimo do quadrinista Lourenço Mutarelli, que também não é ator mas ganhou um papel de destaque no filme, como o segurança de Lourenço (Selton Mello, atuando e produzindo), um comprador de objetos usados que, obsessivo por uma bunda feminina, insiste em comprar uma. No debate de ontem, o crítico de Londrina, Carlos Eduardo, ressaltou – e foi endossado pelo roteirista Marçal Aquino – que o jogo ali é entre o poder e a dignidade do homem. ‘O Cheiro…’ estréia nos cinemas em março.
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