A Leste de Bucareste
Primor do humor romeno
Por Luiz Joaquim | 04.01.2007 (quinta-feira)
“A revolução é feita como a eletricidade”, diz um dos entrevistados no programa de uma TV romena, cujo tema na edição do natal de 2005 é: “houve realmente uma revolução em nossa cidade?”. A pergunta refere-se a transição para a democracia naquele país, ocorrida a partir da capital Bucareste, em 22 de dezembro de 1989, quando o então ditador Ceausescu deixou o prédio da prefeitura. Deixou sob pressão popular? Essa é a questão. E se o assunto parece sério demais – e o é, no final das contas – em “A Leste de Bucareste” (A Fost Sau N-a Fost?, Romênia, 2006), o cineasta Corneliu Porumboiu nos apresenta com o melhor do humor. Filme está em cartaz no Cinema da Fundação.
O humor é cínico e impiedoso, é verdade, com a memória (ou a falta dela) de um pais com sua própria história recente, passada há apenas 16 anos. Numa economia e competência de enquadramentos estáticos, Porumboiu vai dando dicas desta ausência de comprometimento dos romenos com a própria cultura. Na escola, os alunos preferem falar da revolução francesa numa prova de recuperação; numa loja, um comerciante chinês que vende bombinhas de pólvora para os moleques opina sobre o preconceito e a falta de cordialidade entre os romenos; na TV, antes do talk-show, um grupo musical local tenta tocar animadamente uma música latina enquanto o cameraman dispensa o tripé para dar às imagens o “movimento da moda”.
Eles são imediatamente repreendido por Jderescu (Teo Corban): “Toquem um música regional!”, ordena o diretor da rede. No que é obedecido, Porumboiu declara, com um simples mudar de enquadramento, que a mudança foi para pior.
A crítica mais radical e anedótica, entretanto, está mesmo corporificada no programa de entrevistas. A começar pelas duas eminências convidadas para o debate por Jderescu, ele mesmo um jornalista canastrão – na verdade um ex-engenheiro têxtil do período ditatorial. O convidado principal Manescu (Ion Sapdaru) é um professor alcoólatra que diz ter sido um dos primeiros a iniciar a turba na praça central em 1989 para a expulsão de Ceausescu. Para cada informação dada por Manescu, um telespectador telefona ao vivo para desmentir o entrevistado.
Na outra ponta de mesa está o velhinho aposentado Piscosi (Mircea Andreescu), mais conhecido na cidade por, desde os anos 1960, distribuir presentes fantasiado de Papai Noel. Mesmo sendo descaradamente relegado não só pelo entrevistador como pelo câmera torto que quase não o enquadra, Piscosi não se deixa abater e segue o debate fazendo barquinhos de papel enquanto Jderescu, Manescu e telespectadores discutem febrilmente quem chegou na praça antes das 12h08 do fatídico dia; ou se o porteiro da prefeitura estava ou não na guarita naquele horário. Vez por outra, uma mão surge no canto da tela. É a produção roubando os barquinhos do velhinho, cuja lembrança mais forte do histórico dia 22 foi a briga que teve com sua esposa.
Por estes e outras absurdos jornalísticos, “A Leste de Bucareste” – que venceu o prêmio de melhor obra de um diretor estreante em Cannes 2006 – mostra-se especialmente divertido aos profissionais da imprensa (em particular os da televisiva). Mas não só para estes. O filme tem uma força narrativa que chama a atenção do atual cinema romeno, que mostra-se não só competente na domínio do ritmo, como também ser um exímio questionador sobre sua própria cultura e opções sociais recentes. Uma mesma preocupação, mas com um tom trágico, pode ser observado no recente “4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias”, Palma de Ouro em Cannes 2007 dirigida por Cristian Mungiu e situado em 1987, próximo ao fim da ditadura dali, focando a ilegalidade do aborto.
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