O meu fusca vai falar
Documentário KFZ-1348 ganha novo impulso com prêmio nacional
Por Luiz Joaquim | 07.02.2007 (quarta-feira)
Refletir sobre o tempo e sobre suas implicações não é
tarefa simples para ninguém. Santo Agostinho (354-430)
dizia que sabia o que significa o tempo, mas se alguém
lhe pedisse para explicar ele não saberia responder. O
tempo será representado por um fusca, ano 1965, no
longa-metragem “KFZ-1348”, de Marcelo Pedroso e
Gabriel Mascaro, documentário que recebeu forte
impulso na sua produção – administrada pela Rec
Produtores Associados (a mesma do vitorioso “Cinemas,
Aspirinas e Urubus”) – com a contemplação do prêmio
em dinheiro do concurso Documenta Brasil, promovido
pela Secretária do Audiovisual do Ministério da
Cultura, Petrobrás, Associação Brasileira de
Produtores Independentes de Televisão (ABPI-TV) e o
Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).
Dos mais de 200 concorrentes de todo o Brasil,
“KFZ-1348” foi selecionado com apenas outros três
projetos – entre eles o carioca “Pindorama”, novo
documentário de Roberto Berliner sobre um circo
mambembe administrado por anões que corre o interior
do Nordeste. Berliner é conhecido pelo seu longa “A
Pessoa É para O que Nasce”, sobre as três cantoras
ceguinhas da Paraíba.
A história do pernambucano “KFZ-1348” (o código
identifica a placa do carro-personagem) é, na
realidade, mais antiga. Começou a ser rodado de forma
completamente independente em 2005, quando Mascaro e
Pedroso captaram imagens no formato Mini-DV, inclusive
de outros fuscas que ainda rodavam como táxi,
ilustrando o contexto social deste veículo que é um
dos maiores símbolos do nosso desenvolvimento
industrial. “Estas seqüências caíram do roteiro.
Percebemos que estávamos fugindo do foco principal”,
revela Mascaro.
As novas gravações, iniciadas semana passado no Recife
e continuando a partir desta semana em São Paulo, são
feitas com equipamento mais moderno, uma câmera
Panasonic HDX 200 que dispensa fita. “Este novo
recurso técnico”, explica Pedroso, “entre outras
coisas tem nos permitido registrar todos os momentos
das conversas com os oito entrevistados além da
entrevista em si. Não estamos com isso fazendo uma
busca pelo real, mas é uma forma bem empenhada para
conseguir registrar a espontaneidade”.
No comando da câmera está Heloísa Passos, que veio
direto dos Estados Unidos para trabalhar no “KFZ”. De
lá, Heloísa trouxe o título, conquistado há duas
semanas, de primeira brasileira a ganhar o prêmio de
melhor direção de fotografia pelo documentário “Manda
Bala”, de Jason Kohn, no Sundance Film Festival.
Passos ainda fotografou o inédito “Sertão Acrílico de
Azul Piscina”, de Marcelo Gomes e Karin Aïnouz. Já na
captação de som de “KFZ”, vale registrar a
participação do técnico “belga-baiano”, Nicolas Hallet
(do curta “Entre Paredes”). O processo de montagem,
programada para iniciar na quarta-feira de cinzas do
carnaval, contará com o talento de Daniel Bandeira.
Os oito entrevistados do filme são os respectivos
ex-proprietários do Volkswagen. O carro se encontra há
cinco anos num ferro-velho próximo a avenida Recife,
no bairro de Areias. Um dos recortes conceituais do
filme é fazer uma espécie de retrato social do país
nos últimos 40 anos a partir da depreciação do carro e
da sociedade. Esse painel, das várias camadas sociais
no país, aparece nos depoimentos colhidos que vão
desde um engenheiro civil que foi prefeito de um
município em São Paulo, passa por uma cabeleira em
Itapissuma e chega até um barraqueiro evangélico na
praia de Boa Viagem.
Pedroso lembra que, por mais desvalorizado que esteja,
o automóvel é um bem durável. E “mesmo tendo sido seu
último preço de troca a soma de R$ 150,00 mais um
telefone celular, o carro não perdeu seu valor
relativo pois essa quantia era alta para seu último
proprietário”, reflete o realizador. “KFZ-1348” também
vai mostrar estradas de Pernambuco e São Paulo, como
um alegoria do possível deslocamento do fusca desde
quando saiu da fábrica, no ABC paulista.
Um dos momentos mais difíceis da pesquisa para chegar
aos oito entrevistados, foi quando Mascaro chegou ao
Detran de São Paulo, maior parque automobilístico do
país. “Eles queimam documentos antigos em um galpão.
Procurar os documentos de um fusca 65 ali era como
procurar uma agulha num palheiro”, recorda.
A premiação no projeto Documenta Brasil garante a
exibição do documentário em canal aberto de TV e dá
liberdade para uma segunda montagem objetivando a
exibição nos cinemas.
Tal liberdade torna-se, na realidade, num desafio para
os realizadores, que é ter de pensar em dois formatos
“não só de duração, 48 minutos para TV e 70 minutos
para o cinema, como também numa estrutura diferenciada
de linguagem”, diz Pedroso. O produtor João Vieira Jr.
ressalta que o prêmio deveria servir de exemplo, uma
vez que cobre a lacuna na TV para produtos audiovisual
independente, “são 45 milhões de potenciais
espectadores que terão acesso ao nosso trabalho”,
comemora. O primeiro “corte” do filme fica pronto em
abril, com data de entrega da versão para a TV em 25
de maio.
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