Pitching – Eu Pecador (Edgar Navarro)
Defesa de roteiro no CineCeará
Por Luiz Joaquim | 01.03.2007 (quinta-feira)
A entrevista com Edgar Navarro foi interrompida pelo
compromisso do cineasta para participar de um
“pitching” (apresentação de novos projetos) para
Carlos Eduardo Rodrigues, o produtor todo poderoso da
Globo Filmes. Navarro não tinha visto esse evento na
agenda dentro do CineCeará. Quando a descobriu e soube
que poderia pleitear apoio da empresa para eu “Eu
Pecador” – seu novo longa-metragem – começou, de feliz
que estava, a dar “golpes ninjas” no ar em pleno
salgão do hotel sede do CineCeará: “Tchéba! Vamos lá
arrebentar nessa apresentação!”, gritava. A Folha de
Pernambuco, acompanhou com exclusividade, o pitching.
Acompanhe abaixo todos os detalhes sobre o novo
projeto de Edgar Navarro, descrito de forma brilhante
pelo próprio cineasta:
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“O roteiro já está inscrito na biblioteca nacional.
Venho procurando há um tempo uma parceria para
realizá-lo. O roteiro tem vários tratamentos, e fiz um
último tratamento há menos de um mês, é um roteiro
meio finalizado, mas é claro que estamos atentos para
novas contribuições.
O filme se chama “Eu Pecador”. Tem como ponto de
partida a idéia provocar reflexão através da comédia.
É uma comédia rasgada, perversa, sobre a Igreja
Católica, e aí entra nossa formação latina,
intolerância religiosa, repressão sexual e racismo.
São os três temas sobre o qual tentaremos falar. O
argumento traz o protagonista hoje com 17 anos. E,
para terem uma idéia de como esse roteiro é antigo e
já foi depurado, o ator para o personagem era o Lázaro
Ramos, antes de ser famoso. Outro dia encontrei ele e
ele queria fazer ainda o personagem. Eu disse “não,
não é nem pela idade, é que não quero rosto famoso”.
Quero lançar talentos.
O personagem chama Bentinho, e aqui não tem nenhuma
referência ao nosso novo Papa, foi só uma feliz
coincidência. Esse menino é filho de um mulher negra
que trabalhava como prostituta. Ela deixa de ser
prostituta por que ficou velha e ninguém mais pagava
pela carne. Ela vai morar num convento onde passa a
trabalhar como cozinheira dos padres. E os freis
franciscanos acolhem o menino como um “Marcelino Pão e
Vinho” (filme espanhol de 1955). Mas aqui é um
“Marcelino” às avessas. É assim: a mãe vai lá e diz,
“o filho é de vocês, todos vocês faziam comigo e o
filho é de vocês”. E aí a música é muito importante,
que entra como um mistura de Carmina Burana com MPB.
O menino fica lá e ela vai morrer como uma mendiga
louca. Todos os padres tem um complexo de culpa, pois
acham que um deles podem ser o pai do garoto. É, ao
mesmo tempo, algo repulsivo, pois o menino é negro,
feio, torto. O filme tenta tratar o racismo com um
humor às avessas. Pois o próprio menino, através de um
catequese brutal que sofre, se acredita feio,
impotente, incurável para o céu. Ele é fadado ao
inferno. Ele começa aí a desenvolver um comportamento
paranóico, neurótico, infeliz e desinteligente. Cumpre
a sina que o padres delegaram a ele.
Até os 15 anos, o menino é muito carola. Ele reza
muito para Nossa Senhora gostar dele. Vai buscando
essa perfeição e vai ficando torto, torto. Além disso
o garoto faz os serviços mais baixos, sujos do
convento. Limpa latrina, chão… enfim, o menino só
sabe rezar e trabalhar.
E aí percebe-se no filme a presença de um diabo que
começa a tentar o menino. Ele tem de pecar. Os
hormônios começam a vibrar. Tem uma ajudante mudinha
da cozinheira, que ele começa a desejar. Essa situação
vai trabalhando esse humor na beira do caricato, com
traços fortes do expressionismo. Um coisa meio
troncha. Os hormônios do menino chegam a um ponto que
ele começa a pecar, mas o espectador não entende bem
que pecado é esse.
E os padres começam a pirar pois a maior autoridade
ali está pra morrer, já recebeu a extrema-unção, e tem
um sucessão em jogo. Essa sucessão passa por uma
prova, desde que foi alardeado que um deles é um dos
pais do menino. E aí é preciso que se prove que eles
nenhum deles é o pai do menino pelos respectivos
testes de DNA. Nesse momento, eles começam a catar
creca, ponta de ferida. Essa parte é um exagero da
comicidade, do abuso, da corrosão. E aí três padres
provam que não são o pai do menino. Mas temos uma
outra coisa, o exame pode ser fraudado. E um outro
padre, a beira da morte, que não fala há um tempo,
pode ser pai dele. E o menino tem a convicção que
aquele é seu pai. Daí decide fazer uma confissão para
esse padre moribundo. Aí estamos muito perto do
desfecho.
Coloquei esses ingredientes aqui para o suflê inchar
na cabeça de vocês (risos). Mas é isso, vou tentar
discutir religião, catequese, intolerância, o racismo
– o menino se odeia porque é negro. Mas o menino terá
uma redenção para além do filme. E eu acho que o
tempero de redenção do filme é quando mostramos os
padres no fervor de vingança contra o menino, vemos
que a única saída para ele é sair para a rua, de onde
ele nunca deveria ter saído.
O filme é todo sincopado com legenda. A primeira é de
Nietzsche, diz assim: “Não com a ira se mata, mas com
o riso. As coisas boas querem rir”. Outra de François
Rabelais: “Rir é próprio do homem”. Tem outra da
bíblia que entra quando todo mundo estiver se lascando
de rir que diz: “Ai de vos que rides agora. Risada é
coisa do diabo”. Outra do cantor Belchior: “No bucho
do analfabeto, letras de macarrão fazem poema
concreto”. E a última legenda, quando menino vai
embora e some na esquina: “Hoje eu ando com os de
minha laia, e alinho nas hóstias do mal, as coisa
sérias pra mim são enfadonhas”. Rá!!” – encerrou
Navarro com um grito para o encantamento de quem lhe ouvia.
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