O cinema radical de Portugal
3° Cineport (3)
Por Luiz Joaquim | 14.05.2007 (segunda-feira)
João Pessoa (PB) – A mostra competitiva de longas-metragens do 3º Cineport – Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa acirrou a disputa na quinta-feira com a projeção na Tenda Andorinha de “Juventude em Marcha” (2006), uma produção de estética radical vinda de Portugal pelas mãos do cineasta Pedro Costa.
Filmado em digital, e transposto para película no formato 1,66 x 1,00, o mais próximo do vídeo, “Juventude…” chama atenção para absoluta soberania e fidelidade da forma e da sintaxe da linguagem cinematográfica sobre um estreito fio que ilustra o enredo. No caso, este enredo nos mostra as transformações sociais e psicológicas pelas quais passam o velho Ventura (como ele mesmo), e seus filhos, no bairro Fontainhas, onde predominam os ‘degradados’ (favelas) de Lisboa.
Nada de diálogos chulos e nada de montagem alucinada, nem situações dramaticamente apelativas. Costa apropria-se da imagem como um escultor cuja peça tem apenas duas dimensões. Num forte tom contemplativo e expressionista, a fotografia de “Juventude…” é talvez uma das poucas de hoje a explorar ao máximo e melhor a disposição de linhas geométricas num retângulo de imagens.
Esta opção estética tem um preço. Com parcos diálogos e sua extensa duração de quase três horas, “Juventude…”, que esteve na seleção oficial de Cannes 2006, não cativa o público médio. Este, ao início da sessão, somava cerca de 300 pessoas na Tenda. Ao final eram 30.
O último longa da quinta, “O Jardim do Outro Homem”, do moçambicano Sol de Carvalho, carrega consigo a simpatia de mostrar com sinceridade imagens da capital daquele país, Maputo, pela perspectiva de uma adolescente (Gigliola Zacara).
Inserida num contexto social preconceituoso contra a mulher, ela luta para conseguir virar estudante de medicina, ao mesmo tempo em que administra as chantagens sexuais do professor, o trabalho doméstico e o romance com o namorado. Apesar das performances dignas, “O Jardim…” traz à tona uma fragilidade na dramaturgia, tornando a tensão em seu tema menos impressionante do que pretende.
Na sexta-feira, última noite competitiva, três pernambucanos brigaram pelo troféu do Cineport. Lírio Ferreira por “Árido Movie” (Troféu Andorinha) e por “Cartola” (Andorinha Digital), e Hermila Guedes como Melhor atriz em “O Céu de Suely”. Concorrendo também pelo Andorinha foi exibido o português “Transe”, de Paulo Branco, que esteve na Quinzena dos Realizadores, em Cannes 2006. Em seu conteúdo lembrando o mesmo de “Para Sempre Lylia”, “Transe” apresenta Sônia (Ana Moreira, impressionante), como uma jovem de São Petersburgo que, fugindo de sua realidade, acaba envolvida num esquema de tráfego de prostituição, passando pela República Checa, Alemanha, Itália até Portugal.
Neste calvário, vive humilhações sexuais bizarras, incluindo aí a prática forçada de zoofilia. Forte, “Transe” comunga da mesma independência estilística e do descompromisso narrativo visto em “Juventude em Marcha” e, por isso mesmo, agradou há poucos em João Pessoa, mas deixou um salutar gosto amargo na boca.
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