Carreiras
Os bastidores dos ancoras na TV
Por Luiz Joaquim | 29.06.2007 (sexta-feira)
Alucinada, elétrica, ansiosa, desesperada, solitária. Tudo isso é a Ana Laura, 39 anos, personagem de Priscilla Rozenbaum em “Carreiras” (Brasil, 2005), novo filme do veterano Domingos Oliveira, 70 anos, que estréia hoje no Cinema da Fundação.
“Carreiras” talvez seja o primeiro filme auto-explicativo lançado no cinema (e, articuladamente, também lançado na TV a cabo, pelo Canal Brasil, sexta-feira passada). Antes da história ficcional em si tomar a tela, vemos uma espécie de ‘making of’ da obra, ao som de “What a Wonderful World”, intercalando informações sobre a realização do filme. Foi rodado em digital, em oito dias (noites) no apartamento do próprio Domingos e de amigos, tudo ao custo de 50 mil Reais. E ainda ressalta: “filmes do gênero no brasil custam cinco ou dez vezes mais”.
À ousadia, Oliveira deu o nome de filme de Baixo Orçamento e Alto Astral (BOAA) e no 33º Festival de Gramado, 2005, onde a obra teve sua première e deu (com justiça) a Rozenbaum o Kikito de melhor atriz, as palavras de Oliveira bateram de frente com “Gainjin: Ama-me como Sou”, de Tizuka Yamasaki, tendo custado dez milhões de Reais e também concorrendo ali.
“Carreiras” foi inspirado da peça “Corpo a Corpo”, de Oduvaldo Vianna Filho e segundo Domingos, não havia outra pessoa a interpretar Laura que não fosse Rozenbaum, esposa e musa do diretor. Em entrevista durante Gramado, bem-humorada, Priscilla comentou que não queria pegar o papel. “Mas o Domingos disse que ou eu fazia ou me deixava. Como eu não queria perder meu marido…”, brincou.
É fácil entender o temor da atriz. A Laura de “Carreiras” é um furacão em cena. Sob a mira da lente digital de Dib Lutfi, monstro da cinematografia nacional, Priscilla passa mais da metade dos 72 minutos de “Carreiras” contracenando com um telefone. E são raros, muitos raros, os momentos em que isso soa falso.
Tudo acontece no correr de uma noite. Laura é a apresentadora de um telejornal na mais poderosa emissora do país. Indignada por ter sido substituída por um rosto mais jovem e menos competente, ela passa a telefonar ao longo da madrugada para os poderosos da emissora tentando explicar o equívoco da ‘casa’ relegar seu talento ao noticiário da TV a cabo.
Regada a whisky e cocaína, muitas carreiras de cocaína, Laura esmiuça, por telefone e para nós, algumas idiossincrasias de sua profissão, descortinando um possível universo onírico que possa habitar a cabeça do espectador fiel ao casal Bonner & Bernardes. Em “Carreiras”, Laura é aquela profissional que dedicou sua vida (vida bem opaca, diga-se) em função do jornalismo (como vários reais) e percebe que tudo perde o sentido quando perde o emprego.
O próprio Domingos já havia ensaiado um crítica ao sistema quando, em 1989, na refilmagem para a TV Globo de seu original “Todas as Mulheres do Mundo”, Pedro Cardoso (no papel que foi de Paulo José em 1967) faz um redator sofrendo ao tentar conseguir emplacar um programa humorístico na TV. Na realidade o personagem quer mesmo é escrever um livro.
Domingos, carioquíssimo, abre seu “Carreiras” conversando com amigos (elenco de seus filmes anteriores) numa mesa de bar no Baixo Leblon. A pauta gira em torno da “superioridade” ou não do teatro sobre o cinema, e vice-versa. É claro que essa competição não tem nenhuma importância, o importante aqui é o homem, e assim Domingos já deixa seu recado para aqueles que forem criticar seu “Carreiras” de teatral.
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