Primo Basílio
Conflito visual anacrônico
Por Luiz Joaquim | 03.08.2007 (sexta-feira)
Ao nos depararmos com uma adaptação literária no cinema, esperamos encontrar nuanças da linguagem cinematográfica agindo em função de aspectos próprios de sua narrativa. A idéia é dar sentidos e sensações que só a imagem casada com o som podem proporcionar. Sentidos e sensações de natureza distintas, obviamente, daquelas proporcionadas pela literatura. Quase nada disto é visto em “Primo Basílio” (Bra., 2007), novo filme do todo-poderoso da Globo Filmes, Daniel Filho, adaptado do homônimo livro de Eça de Queiroz.
O clássico romance foi escrito há 129 anos e já sofreu duas adaptações pelo cinema português (1923 e 59) e uma pelo mexicano (1935). No Brasil, a Rede Globo exibiu uma mini-série em 1988, sob a direção também de Daniel Filho, auxiliado por Reynaldo Boury. A pergunta que cabe aqui é: que diferencial a nova leitura de Daniel Filho para a história do marido Jorge (Reynaldo Gianecchini) traído pela esposa Luisa (Débora Falabella) com o primo Basílio (Fábio Assunção) traz ao cinema?
Uma resposta declarada sobre esse diferencial está logo na sinopse (nem é preciso ir ao cinema para saber). Lá diz que o novo filme sofre uma adequação dos acontecimentos, desenvolvendo-se no final dos anos 1950 e não no fim do século 19, ao contrário de todas as anteriores versões audiovisuais, que eram fieis ao cenário descrito pelo livro. Mas e daí?
Daí nada, pois, o cineasta platinado não criou situações dramáticas que incrementassem algo novo à trama ou à psicologia de Luisa. Quase não se vê, acrescidos à história original, elementos dramáticos que represente um ser humano social nos anos 1950. A essência do que o romance português oferece está no filme – que é a representação da futilidade de uma sociedade burguesa, através deu um lar aparentemente feliz, mas podre nas bases; e isso é bom, mas o plus que deveria justificar a realização de uma nova e dispendiosa produção para “Primo Basílio” é nula.
A justificativa aqui se escora e se resume na direção de arte padrão globeleza – com cara e atmosfera dos episódios televisivos de “A Vida Como Ela É” – e por algumas frases-chavão como “calma que o petróleo é nosso”, além de outras típicas que marcaram a proximidade do governo de Getúlio e JK.
Pondo de lado problemas temáticos, encontramos problemas em termos de conceito cinematográfico. As cenas “calientes” de amor filmadas por Daniel Filho entre os amantes Assunção e Falabella tem a temperatura do inverno na Groelândia. A perspectiva aqui também é a de alguém que enxerga a paixão por um viés visualmente tão anacrônico no cinema que chega a constranger.
O quarteto de protagonistas (além do triângulo amoroso, temos Glória Pires como a Juliana, a empregada chantagista) também não ajuda para estimular emoções nesse filme sem brio. Vale registrar o esforço de coadjuvantes como Simone Spoladore, como a amiga “vadia” de Luisa; a postura OK de Guilherme Fontes, como o amigo de Jorge; e o absoluto conforto de Zezeh Barbosa como a segunda empregada de Luisa. A propósito, Barbosa, como grande atriz que é, protagonisa a única seqüência digna de nota. Acontece quando sua personagem, a faxineira de Luisa, arruma as malas para deixar a casa por determinação de Juliana e contra a vontade de Luisa. Soa como o único momento sincero em 106 minutos de filme.
DICA: Como exemplo de uma adaptação competente de um clássico da literatura adequada aos dias de hoje, ver “Notas do Subterrâneo” (1995), no qual o americano Gary Walkow traz à vida contemporânea o drama vivido pelo protagonista de “Memórias do Subsolo”, escrito por Dostoiévski em 1864.
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