São Paulo Sociedade Anônima
A angústia da classe média
Por Luiz Joaquim | 20.08.2007 (segunda-feira)
Era 1965 quando São Paulo Sociedade Anônima chegou aos cinemas. A intelectualidade brasileira ainda estava atordoada com o Cinema Novo que, no ano anterior, o ano do golpe militar, havia definitivamente marcado seu terreno político discursando pelas imagens de Leon Hirszman (Maioria Absoluta), de Ruy Guerra (Os Fuzis) e, principalmente, de Glauber Rocha (Deus e O Diabo na Terra do Sol).
Como um contraponto a estas vozes, que vinham todas do Rio de Janeiro, Luís Sérgio Person gritou lá da capilta paulista seu primeiro longa-metragem. Tão contestador social quanto os rebentos dos cinemanovistas, São Paulo S/A também questionava o modo de vida brasileiro. Seu diferencial temático, entretanto, era mostrar essa perspectiva a partir do já caótico e angustiado cotidiano da classe média urbana, um segmento até então relegada pelo nosso cinema. Em termos estéticos, o diferencial no filme de Person era abissal.
Tendo voltado do Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma (onde estudou cinema e fez o curta-metragem, Al Ladro, que representou a Itália no Festival de Veneza), Person desenvolveu para São Paulo S/A um perfil plástico e narrativo cheio de sofisticação. O mesmo que o havia impressionado na Europa, produzido na segunda metade dos anos 1950 e na primeira metade dos anos 1960. Isso pode ser traduzido mais fortemente nas então correntes estéticas celebradas daquele momento: a Nouvelle Vague francesa o Neo-Realismo italiano – sendo Jean-Luc Godard uma de suas referências na França e o “poeta da melancolia”, Valério Zurlini, na Itália.
Assim sendo, temos em São Paulo S/A o artifício de elipses na narrativa, cortes secos e um tom documental (a linha de montagem da Vokswagen e a corrida de São Silvestre invadem o filme a certa altura) em oposição a encenação precisa de Walmor Chagas e grande elenco. Tudo isso amarrado pela música opressiva de Cláudio Petráglia e pela contrastante fotografia em P&B de Ricardo Aronovich.
Chagas protagonizava pela primeira vez no cinema, e num papel que iria marcar sua carreira. Ele fazia Carlos que, dos 25 aos 30 anos, entre 1957 e 1961, viu crescer em si uma angústia esmagadora, impulsionada pela tirania das urgências e regras sociais da urbe, com a industrialização também em franco crescimento naquele período. Daí surge um homem frustrado, que sem compreender muito bem a razão de sua própria inquietação, passa a enxergar seu destino sob uma ótica nebulosa.
No campo sentimental, Carlos tem três mulheres que de uma forma ou de outra acompanham sua trajetória. Luciana (Eva Wilma), com quem se casa por “cansaço e preguiça de escolher coisa melhor”, é o porto seguro para “acertar a vida”. Luciana séria um “igual”, no qual Carlos vê a possibilidade de manter e desenvolver o seu lugar na sociedade.
Ana (Darlene Glória) é uma modelo que prefere homens endinheirados. Representa o prazer carnal, mas também a alienação. Já Hilda (Ana Esmeralda) é quem mais perturba Carlos com suas ansiedades, que disfarçam na realidade uma vida vazia. Vazia como aquela que Carlos quer escapar, mas não consegue.
Jean Claude Bernardet, em seu livro Brasil em Tempo de Cinema, destaca uma bela seqüência do filme, quando Carlos, no ápice de sua revolta, rouba um carro e foge de São Paulo. Deixa tudo para trás. Quer recomeçar. Deixar de ser apenas uma engrenagem na metrópole impiedosa. Mas ele é um impotente. E assim sendo, é tão fascista quanto o sistema que o incomoda.
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