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Sargento Getúlio

Pela honra e o livre arbítrio

Por Luiz Joaquim | 30.08.2007 (quinta-feira)

Talvez seja um exagero dizer que ele é uma espécie de Hamlet do sertão nordestino mas, sob uma ótica existencialista, quando o sargento Getúlio – personagem criado em 1971 em romance homônimo por João Ubaldo Ribeiro – a certa altura se pergunta: “levo ou não levo?”, é à propria consciência que ele pede socorro. E tal qual o príncipe Dinamarquês na peça de Shakespeare, quando diz “ser ou não ser?”, Getúlio está querendo examinar a validade de suas ações e também à legitimidade do livre arbítrio e, principalmente, de sua honra.

Levado ao cinema 12 depois pelas mãos de Hermano Penna, Sargento Getúlio, o filme, traz Lima Duarte encarnando de forma visceral o personagem título. O seu “levo ou não levo?” diz respeito a ordem que recebeu de um superior para, literalmente, arrastar de Paulo Afonso (BA) até Aracajú (BA) um preso político.

Mais correto é dizer que Getúlio não titubeia em cumprir a ordem. Como fiel militar que é, ele não examina a consciência antes de executá-la. Obedece apenas. Seu drama surge quando o que lhe parece simples e correto (obedecer a ordem) vira de ponta-cabeça com a reviravolta política que transcorre na capital sergipana. Antes de lá chegar, Getúlio escuta, desconfiado, de terceiros que seu chefe, pressionado pela imprensa e por ordem superiores, manda libertar o prisioneiro.

Acompanhado apenas pelo seu motorista Amaro (Orlando Vieira, excelente) Getúlio reflete sozinho sobre a novidade pensando: “Eu não gosto que o mundo mude. Me dá uma agonia. Eu não consigo entender as coisas direito”.

A inspiração para a criação do sargento Getúlio veio a Ubaldo por um personagem real de Aracajú na década de 1940, tempo e lugar ondem o escritor viveu até os dez anos. O personagem é, assim, um remanescente do coronelismo. Getúlio é uma espécie de jagunço, fiel e inocente, que vê seu mundo desabar quando a lógica rústica que guiou para sua vida é abalada. Tragicamente agarrado a honra, ele decide ir até o fim, mesmo que o conduza à morte.

Com o então jovem fotógrafo Walter Carvalho empunhando uma câmera 16mm (o que facilitava as captação das imagens de luta e a mobilidade pelo cenário sertanejo), Penna, conseguiu dar ao filme a mesma sensação de urgência por uma reação que também pertubava a cabeça do sargento.

O filme ganhou o titulo de melhor filme em Gramado 1983, assim também como Duarte e Oliveira levaram os Kikitos de ator e coadjuvante. Penna deve muito ao Duarte. Aqui, sua combinação de virulência masculina e fragilidade humana desenha uma espécie ‘planta baixa’ mental do homem simples do Nordeste.

No ano em que foi lançado, Sargento Getúlio podia dar margens para outras leituras. Era a época da abertura política. Cerca de 20 anos depois, o Brasil começava a acenar para a redemocratização, o que significaria retrabalhar radicalmente, tanto da parte do povo quanto das autoridades, a maneira de enxergar e lidar com o poder no País.

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