Festival do Rio 2007 (6)
Ótimos latinos, ingleses e romenos ofuscam o brilho do sol no Rio
Por Luiz Joaquim | 01.10.2007 (segunda-feira)
Rio de Janeiro (RJ) Wes Anderson fez uma legião de fãs com “Os Excêntricos Tenenbaums” e “A Vida Marinha de Steve Zissou”. Graças aos personagens reflexivos, em situações cômicas, ou não, e sempre vivenciado uma experiência incomum ou inesperada. Há também o resgate da relação entre família e amigos que forma o núcleo de seus filmes. Não é diferente em “O Expresso Darjeeling”. Pelo interesse dos fãs e por ter estado na mostra competitiva, há apenas um mês, do Festival de Veneza, “Darjeeling” foi uma das sessões mais procuradas aqui no Festival do Rio.
Fãs não se desapontaram, mas reconhecem que Anderson não conseguiu concentrar unicidade discursiva na aventura vivida pelos irmãos Francis (Owen Wilson, no último papel antes de tentar o suicídio na vida real), Peter (Adrien Brody), Jack (Jason Schwarttzman). A pedido de Francis, cheio de bandagem cobrindo um rosto machucado, todos se encontram no trem que dá título ao filme para uma viagem espiritual pela Índia. A idéia é estreitar os laços após a morte do patriarca. Há, no entanto, uma graça deslocada que ora funciona, ora não. Ora surge com efeito narrativo pertinente, ora soa apenas como bossa. Bossa apenas curiosa, assim como o “curta-metragem para exibir antes de longa-metragem”, feito por Anderson, que antecede “Darjeeling”.
No mesmo clima de grande expectativa chegou às telas do Rio “Planeta Terror”, de Robert Rodriguez. Primeira parte de “Grindhouse”, cuja outra parte complementa com “À Prova de Morte”, de Tarantino, o filme de Rodriguez utiliza as mesmas facetas plásticas e de montagem usadas por Tarantino para emprestar “idade” de velho ao filme. O enredo mostra uma cidadezinha no Texas sofrendo uma epidemia que gera espécies de zumbis com carne em putrefação viva.
Diferença aqui é mesmo está talento. Enquanto Tarantino cria uma atmosfera irremediavelmente envolvente entre platéia e seus personagens, Rodriguez dá vazão a volume gigante de correria, explosões e tiros. Diversão se segura apenas pelos absurdos de situações e personagens que de tão improváveis fazem rir. Ponto para a trilha sonora, assinada também por Rodriguez, que resgata os arranjos e ritmo das músicas que embalavam filme de John Carpenter nos anos 1970, e ponto para o espetacular trailer de “Machete”, um filme setentão de ação que nunca existiu.
LATINOS – A Mostra Latina também faz sucesso nas bilheterias do Festival. Dois deles chegaram com a palma de Cannes 2007 estampada no cartaz e na projeção. Um é “O Assaltante”, primeiro longa de Pablo Fendrik, que esteve na Semana da Crítica. Conta a história de um homem de meia-idade que assalta as escolas de Buenos Aires. Disfarçado de pai de algum aluno, o ator Arturo Goetz (ótimo) não hesita em promover terrorismo em suas vítimas. No final do filme, ao revelar a verdadeira ocupação do assaltante, Fendrik abre o leque para uma nova dimensão social a respeito do que acabamos de assistir.
Já o primeiro longa de Lucía Puenzo, “XXY”, aqui mostrado numa concorrida sessão a meia-noite da Mostra Gay, também passou pela Quinzena dos Realizadores 2007. Com a maior estrela do cinema argentino no elenco Ricardo Da-Rin (presente no Festival para apresentar o longa de dirigiu, o fraco “La Señal”), “XXY” é um delicado estudo sobre a decisão social por qual sexo, em determinada altura da vida, um hermafrodita irá optar.
No caso, temos Alex (a excelente Valeria Bertuccelli) que aos 15 anos se masturba diariamente e nunca teve uma experiência sexual com outra pessoa. Com a chegada na casa de praia de uma família amiga de seus pais, incluindo aí um adolescente mais velho que ela, Alex inicia com este um assédio bem objetivo. O que ela não se dá conta, e descobre na seqüência, é que seus desejos sexuais são contraditórios ao seu corpo de mulher em inicial formação.
“XXY” abre janela fria para um tema raro e absolutamente pessoal, cercado de preconceitos sociais pela simples ignorância por uma questão tão sem respostas tanto para uma adolescente perdida quanto para os melhores sexólogos e psicólogos. O abismo aqui é profundo e Puenzo fez um filme respeitoso, audacioso e a altura da questão. “XXY” será distribuído no Brasil pela paulista Imovision.
PREMIADOS – Falando em audácia, o Festival do Rio projetou ontem a primeira exibição ao público no Brasil da Palma de Ouro de Cannes 2007. O romeno “4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias”, de Cristian Mungiu. Audácia porque Mungiu mostra aqui uma história que faz parte dos “Contos da Era de Ouro”, a época do comunismo dali. No filme, estamos em 1987, próximo ao fim do regime, quando encontramos as universitárias colegas de quarto Otília (Anamaria Maninca) e Gabita (Laura Vasiliu). Está última vive o drama de uma gravidez indesejada num país onde o aborto é ilegal e pode condenar a cinco anos de prisão.
Trama transcorre no pesadelo que é realizar um ato como esse, não só no sentido clínico, mas, especialmente aqui, sob condições inapropriadas num hotel sujo da Romênia comunista e com Gabita sob os cuidados de um pervertido. Situações criadas por Mungiu são todas possíveis e dirigidas com a precisa tensão necessária. A perturbação só faz crescer pois é pelos olhos da amiga Otília, dividida em ajudar a Gabita e atender ao namorado num jantar, que vamos sendo conduzidos.
Também ontem, na Sessão Meia-Noite, o Festival mostrou “Controle: A História de Ian Curtis” (Control, Ing.), de Anton Corbijn, um dos mais influentes fotógrafos no meio da música e diretor de videoclipe, aqui em seu primeiro longa. Para quem não sabe, Ian Curtis foi o vocalista do Joy Division, banda fundamental na segunda metade dos anos 1970 na Inglaterra, que se transformaria no New Order após o suicídio de Curtis, enforcado aos 23 anos, em maio de 1980.
Rodado em P&B, “Controle” é um delírio para os fãs do Joy Division (como este que aqui escreve), mas também aberto àqueles que querem apenas ver cinebiografia bem realizada. Adaptado a partir do livro escrito por Debbie, viúva de Curtis (no filme, Samantha Morton), conta o início do namoro dos dois, passando pelo casamento, o nascimento da filha do casal, a descoberta da epilepsia de Curtis e o caso extra-conjulgal com a belga Annik.
Entrelaçada com a vida amorosa de letrista e vocalista, vemos seu interesse por David Bowie, seu entusiasmo em fazer parte do “Warsaw” (nome pré-Joy Division) após um show do Sex Pistols e a criação das letras de clássicos do rock moderno como “She’s Lost Control”, “Love Will Tear Us Apart”, “Isolation”. O ator Sam Riley, como Curtis, não faz feito. É perfeito na pele da figura sorumbática de Curtis e encenando as suas inigualável performances no palco.
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