18o CineCeará – (2008) – 4a noite
Ópera a uma proletária
Por Luiz Joaquim | 14.04.2008 (segunda-feira)
FORTALEZA (CE) – Noite de ontem (domingo) no 18º CineCeará. Hora dos mestres de cerimônia chamarem o diretor Carlos Reichenbach, o Carlão, que está em Fortaleza desde sexta-feira, para apresentar o longa-metragem “Falsa Loura”. Mas, para estranhamento de todos, quem sobe ao palco são Sara Silveira, produtora da obra, e seu distribuidor, Jean-Thomas Bernardini.
Após seu discurso, Jean-Thomas conclama que Carlão compareça e aí temos a mais inusitada apresentação no festival até o momento, com o cineasta saindo por trás das cortinas com uma longa peruca loura para explicar que lamentava ausência de sua protagonista, Rosanne Mulholland, no Ceará pois ela gravava para a nova novela da TV Bandeirantes. “Queria ter louras aqui no palco mas tive que me virar”, contou ele sob os assovios da pláteia.
Por aqui pelos bastidores, após a projeção, o que mais se escutava era os espectadores comentando que agora haviam se reconciliado com o Carlão, por conta da falta de um entusiásmo com seu anterior “Garotas do ABC”. “Falsa Loura”, à propósito, tem como embrião o mesmo projeto – o “ABC Clube Democrático” – que gerou o “Garotas”. Ambos foram escritos ao mesmo tempo.
O filme acompanha a proletária Silmara (a absolutamente deslumbrante Mulholland), operária de um fábrica que é apresentada entre as colegas como uma arrogante (pela beleza), e auto-suficiente (pela sua relação com os homens), mas que logo depois é desvelada por Carlão como uma figura de uma força (e fragilidade) humana tocante. Como disse seu diretor na coletiva ontem pela manhã, “como no `Garotas`, damos aqui identidade a essas mulheres deslumbrantes e de personalidade que são vistas apenas como peças de máquinas”.
Em “Falsa Loura”, Carlão reforça sua competência como autor de dramas urbanos, cujas figuras marginais (não ilegais, mas os esquecidos) deslizam entre a confusão da alegria e da dureza que a vida lhes oferece. Aqui, mais especificamente, temos uma mulher estonteante marcada por ser beleza, mas que com ela (sua beleza) chega onde deseja, não sem sofrer o problemas aí inerentes, é verdade.
Muholland ilumina toma toda a tela, e não só pela exuberância física, mas por ser o eixo do drama pontuado por três homens. Seu pai (João Bourbonnais), uma figura fragmentada pelo passado; o cantor pop Bruno de André (Cauã Reymond); e o ídolo da música romântica Luís Ronaldo (Maurício Mattar, em referência a Julio Iglesias e outros do gênero).
Com o pai, Silmara assume uma postura de proteção, quase materna, enquanto que com os outros não consegue impor sua dignidade, o que apenas ressalta sua limitação social, gerando, no fim do filme um das encerramentos mais melancólicos da recente cinematografia nacional.
Impossível deixar se ressaltar a valor da trilha sonora aqui, com sua parte clássica a cargo do maestro Nelson Ayres, e seu flanco pop e brega capitaneado por Marcos Levy. Sem dúvida, é uma das trilhas mais complexas e heterogênea, indo do cafona até Bach com tranquilidade. Em entrevista, Carlão (que também tem formação musical) falou de algumas referência para pensar a música como elemento dramático. Uma delas é a que fez de um passeio no aras, inspirada em outra de “O Desprezo” de Jean-Luc Gordard.
Entre os curtas-metragens, destaque para o fabuloso “Um Ramo”, de Juliana Rojas e Marcos Dutra, que preparam seu primeiro longa (“Trabalhar Câncer”). O curta fala de uma mulher que começa a ter folhas brotando da pele. Interessante ainda “Corpo Presente: Beatriz”, de Marcelo Toledo e Paolo Gregori, com (também) uma operária oprimida pela sua condição e pela metrópole.
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