Ondas do Destino
Um Lars Von Trier antes da badalação com a crítica mundial
Por Luiz Joaquim | 29.06.2008 (domingo)
Um Lars Von Trier antes da badalação com a crítica mundial
29-junho-2008 (domingo)
Há 11 anos, ainda estudando jornalismo, vi “Ondas do Destino” no extinto Cine Art Guararapes e saí, claro, atordoado com aquilo que me tinha oferecido um Von Trier antes das ainda por vir badalações ‘dogma95’ e dos “Dançando no Escuro”, “Dogville” e derivado. Sempre anunciei a todos queBreaking The Waves era por mim considerado o melhor trabalho do dinamarquês.
Ontem, revendo o filme numa sessão comemorativa do Cinema da Fundação (Recife), lembrei que havia escrito um texto entusiasmado logo quando cheguei em casa, à noite, após a sessão de 1997. O texto, depois, foi parar num mural da universidade. Foi um prazer reler esse meu tal texto de principiante e partilho aqui com vocês.
Transcrevo sem fazer nenhuma alteração de como o texto foi originalmente escrito.
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23-março-1997
Lars Von Trier fez um filme forte. Mais uma vez, ele fala através das imagens, em detrimento das palavras. As palavras são coadjuvantes. As imagens gritam. O que se vê, insistentemente, são os olhos inquietos de Bess (Emily Watson, merecidamente concorrendo ao Oscar de melhor atriz), uma fervorosa religiosa, vivendo numa comunidade da Escócia. A bela e jovem Bess casa-se com Jan -pronuncie ‘ian’ – (Stellan Skarsgard), um trabalhador de uma plataforma de petróleo.
O amor de Bess é obsessivo e, quando é chegado o momento de Jan voltar à plataforma para mais duas semanas distante, ela “conversa” com Deus pedindo ajuda para traze-lo de volta. Jan volta, só que paralítico devido a um acidente de trabalho. É aí que o filme começa.
Não vá você, leitor, pensar que se dá início a um melodrama romântico bem americano. Não. O que Von Trier nos mostra é o que, de mais próximo, uma mulher, obstinadamente apaixonada pelo seu marido, pode fazer para salva-lo. Ser boa. Ser fiel. Mesmo que isso signifique traí-lo e, trair a si própria.
Desde o início, é fácil verificar, através de sua câmera nervosa, a vontade do diretor de nos transmitir a sensação de realismo. Os cortes bruscos de uma cena para outra faz lembrar um documentário dando à estória um cunho de verdade. A insistência em closes no rosto de Bess também nos aproxima mais dos seus sentimentos.
Bess perde o controle perante a situação do marido e, acredita, desvirtuadamente, que pode salvá-lo atendendo aos seus desejos.
Emily Watson representa boa parte desse descontrole apenas com a força dos seus olhos e, com sutis expressões, desnorteia, também, seu espectador. Em certas circunstâncias não sabemos se o que ela sente é medo do que terá de enfrentar, ou se apenas está verificando, com Deus, seu prestígio.
Todavia, uma certeza incontestável é clara ao público: o amor de Bess por Jan.
O filme, como um bom livro (embora o roteiro seja original), é dividido em oito capítulos: “O casamento de Bess”; “Felicidade”; “Vivendo Sozinha”; “A Doença de Jan”; ”Dúvida”; “Fé”;“O Sacrifício de Bess” e “O Funeral”.
Uma boa surpresa é a presença, no elenco, do francês Jean-Marc Barr (de “Imensidão Azul”; “A Peste – de Camus”), interpretando um papel pequeno como Jerry, um amigo de Jan. O diretor Von Trier já havia trabalhado com Jean-Marc Barr fazendo-o protagonista de “Europa”.
“Europa” é uma boa oportunidade para se conhecer o trabalho desse diretor dinamarquês. Mas, cuidado, não vá com ansiedades. O cinema de Von Trier é calmo, lento, e requer o sacrifício de uma boa quantidade de neurônios sadios do espectador.
O argumento de “Ondas…” emociona até um chimpanzé e, confesso que, a poesia da derradeira cena do filme deixou-me, literalmente, arrepiado, tamanha sua capacidade de apresentar, apenas em um quadro, a principal característica de Bess: a constante celebração da bondade.
Se você deseja conferir é bom correr pois a experiência mostra que bons filmes duram pouco na província Recife, e, acredito que, o filme fica em cartaz até quinta-feira (27/3), no Art-Guararapes; a não ser, é claro, que Emily Watson seja agraciada com o Oscar.
Mas, prepare-se porque Lars Von Trier fez um filme forte.
Observação:
O filme voltou a entrar em cartaz no Teatro do Parque de 14 a 16 de abril, com ingressos ao custo de hum real.
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