Festival do Rio 2008 (dia 27)
Pernambuco para o mundo
Por Luiz Joaquim | 28.09.2008 (domingo)
Diversidade é uma das palavras que define bem a programação deste colossal evento que se chama Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro. Diversidade não só de estilos e gêneros, mas de contemplação geopolítica. Em meio a tanta diversidade, nem é tão espantoso descobrir que sua região está retratado em algum filme. Na noite de sábado (27), uma das dezenas de telas do evento deu espaço para Pernambuco, mais precisamente para Cocada, 14 anos, e Nego, 13.
As duas criança, do município de São Caetano, protagonizam o documentário “Já Que Nascemos” (Pusque que nous sommes nés, 2008), co-produção franco-brasileira, dirigida por Jean-Pierre Duret – engenheiro de som que já trabalhou com Claude Chabrol e os irmãos Dardenne – e a urbanista brasileira Andréa Santana.
Exibido no último Festival de Veneza, “Já Que Nascemos” é de uma franqueza perturbadora ao retratar o cotidiano dos dois amigos que passam a noite num posto de gasolina à beira da estrada e o dia fazendo pequenos trabalhos para levar dinheiro para casa. A franqueza se traduz numa câmera “invisível”, fotografando não só os meninos mas a família dos dois bem a vontade e sem restrições no que diz respeito a desesperança e rudeza da vida. Alguns diálogos são tão fortes em sua simplicidade que nem paracem naturais, mas preparados por um roteirista interessado em impactar pela maturidade antecipada das crianças.
É o tipo do olhar que cineastas europeus dão à comunidades miseráveis na África, diante de uma tão pujante miséria. Neste caso, é um olhar válido, pois a persectiva simula ao espectador uma quase vivência daquele sofrimento. Quando lembramos que o cenário está ao nosso lado, o impácto vem mais forte. É Pernambuco para o mundo, na tela, de um jeito que o Governo do Estado não gostaria de ver.
Chama atenção a precoce desilusão de Cocada com a vida e seu futuro. O garoto divide o dia em transportar porcos, trabalhar num forno e lavar caminhões. À noite, fica com as sobras de comida no restaurante do posto e “fatura”cerca de R$ 2 por dia. Viu o pai ser assassinado em seus próprios braços e fala com frieza ao amigo Mineiro (caminhoneiro que toma como figura paterna) que já pensou em tomar veneno, pois é “melhor que ficar sofrendo no mundo”.
Já Nego, só quer trabalhar e fugir da cidade, ir para longe da família de nove irmãos e da mãe, que teve vários “maridos” e lhe trata como a um empregado. Enquanto trabalha em pequenos serviços na rua escuta de um protestante que “Deus tem um destino para a sua vida” e que Nego tem mais é de aproveitar a infância, só brincando e estudando. O conselho vem seqüênciado por uma imagem impiedosa da irmã de Nego lavando dezenas de pratos em sua casa miserável, enquanto conversa com a mãe sobre achar o homem de sua vida.
Rodado em 2006, “Já que Nascemos” registra ainda a passagem do então candidato à Presidência da República Luís Inácio Lula da Silva em campanha por São Caetano, além das incansáveis Kombis trombeteando seus candidos à Câmara do Deputados. O acinte das promessas dos candidatos aqui reforça ainda mais a situação desesperada dos personagens.
MADONNA – Por conta da tal diversidade do evento, temos a oportunidade de, logo após uma porrada social como o doc de Duret e Santana, ver um pacote pop construído pelo ícone Madonna. Como um filme é sempre um retrato de quem o faz, “Sujos e Sábios” (Filth and Wisdom, 2008) não podia ser diferente que uma visão estilosa para definir conceitos rasos sobre amizade e postura de vida.
Filme gira em torno da idéia de Madonna que sabedoria não pode vir desacompanhada de sujar as mão na vida. “Você até pode passar a vida na acadêmia, e aí vai chegar na mesma conclusão dos que aprenderam na rua”, diz o ucraniano A.K. (Eugene Hutz), a voz oniciente na ficção, que dá juizo de valor para as companheiras de apartamento, a bailarina clássica Holly (Holly Weston), que acaba virando dançarina stripper, e a farmacêutica Juliette (Vicky McClure), frustrada por não conseguir ir para a África ajudar crianças com Aids. No meio dos pseudo-dramas, embalados com humor e frases de efeitos com impacto duvidoso, temos A. K. tentando emplacar sua banda de rock, travestida de subversiva, mas com um ar ultra-pop e velho. Assim como esta estréia de Madonna num longa de ficção.
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