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Reportagens

Vou pro multiplex, mas… ver o que?

UCI/Ribeiro Tacaruna (no Recife) completa 10 anos

Por Luiz Joaquim | 18.09.2008 (quinta-feira)

Essa história é real. Último domingo, início da tarde no multiplex UCI/Ribeiro do Shopping Recife. Dois garotos de 11 e 12 anos na fila da bilheteria discutem fortemente. O primeiro tem dinheiro apenas para pagar o ingresso da ‘promoção família’, ou seja, R$ 5,50 (a meia entrada) para sessões iniciadas até 14h55. O segundo, com mais dinheiro, diz que de nenhuma forma vai se submeter a ver “Xuxa em Sonho de Menina”, que é o único filme ali começando antes das 14h55. O primeiro bate o pé é diz: “Pois eu vou. Saí de casa para ver um filme e vou ver, mesmo que seja o da Xuxa”.

O exemplo acima é emblemático para levantar uma reflexão sobre a chegada dos multiplex no mercado brasileiro e o redesenhamento cultural em torno do hábito de se ir ao cinema. Hoje comemora-se os dez anos de inauguração do multiplex UCI/Ribeiro no Shopping Tacaruna, cerca de um mês após a celebração de seu irmão no Shopping Recife. Muito dificilmente, há 11 anos, esse tipo de discussão entre os dois garotos teria lugar numa fila do cinema.

Antes, saía-se de casa para ver “o” filme, e não “um” filme. Ia-se a uma sala específica em um endereço específico para ver um filme desejado, o qual, habitualmente, o espectador sabia muito bem sobre o que se tratava a produção. A partir de 1998, no Recife, esse tipo de relação com o espaço de reunião para ir ver um filme foi modificando-se exatamente porque o formato múltiplo de salas conjugadas, com um leque de títulos a escolher e com a arquitetura impessoal, foram moldando assim um novo personagem, o consumidor de entretenimento, em detrimento do antigo espectador cinematográfico.

O interesse do primeiro personagem é generalista. A idéia em alguns casos é chegar num multiplex é pagar para o ver o filme da sessão com horário mais próximo. É, como num fast-food, onde se escolhe o hambúrguer pelo seu número no menu para saciar a fome, e não por um opção de degustação para dar conta de um paladar mais sofisticado.

Para o cineasta Paulo Caldas, que tem seu filme “Deserto Feliz” em cartaz às 19h30 de hoje como parte da programação de aniversário do UCI/Ribeiro Tacaruna essa postura cultural não é interessante. “Como realizador, eu gostaria que a pessoa saísse de casa para ver um filme que lhe atrai, que ele realmente deseje ver. De certo modo isso ainda acontece em espaços com programação alternativa ou de arte, mas aí esses espaços viram uma espécie de gueto”.

Quanto a exibição de hoje, Caldas a vê como ótima experiência para entender o impacto do filme num público de multiplex. “Vai funcionar como um termômetro mas, atípico, porque não houve um trabalho de divulgação tradicional de lançamento”, explica. Quanto a possibilidade do filme vir a estrear num multiplex, o diretor diz que ainda não há nada formalizado.

Outra história real – Terça-feira passada, numa aula da Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, surgiu na aula da professora Ângela Pryston o assunto sobre a impregnação cada vez mais marcante da mundialização nas produções cinematográficas. O tema veio à tona por conta do multi-étnico “Ensaio Sobre a Cegueira”, filme de Fernando Meirelles em cartaz. Uma coisa puxou outra e logo logo se falava da cultura dos blockbusters, cujo templo é inegavelmente os multiplex.

“Nessa aleatoriedade com a qual se consome cinema hoje, as estratégias de divulgação voltaram-se para um marketing básico e direto, quase primitivo; como o poster de cinema, que parece ganhar um valor cada vez mais determinante. O apelo visual aqui pode ser fundalmental”, comenta Pryston.

Um de seus mestrandos, Rodrigo Almeida, prepara sua dissertação “Internet Projetor: Ciberespaço, Cinefilia e Cineclubismo”, pela qual pretender chegar a algumas respostas sobre um hábito cada vez mais comum: o de baixar filmes pela internet. O estudo passa também por uma observação na postura do mercado de exibição cinematográfica.

Rodrigo percebe uma uniformidade na programação dos multiplex e que a máxima quando se fala na “diversidade” da programação dos complexos nem corresponde tanto assim. “Fiz uma pesquisa nos arquivos microfilmados na Fundação Joaquim Nabuco com jornais de 1975. Avalie a programação nos cinemas do centro do Recife entre julho e dezembro daquele ano e percebi que naquele período a quantidade de filmes em cartaz era a mesma oferecida no mês passado, quando estreou “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, revela o estudante.

O mestrando ressalta ainda que em outra época, os cinemas tinham um perfil determinado e o lançamento de alguns filmes, conforme seu gênero, já tinha um endereço definido de projeção. Nos anos 1980, por exemplo, filme de terror iam para o Cine Moderno, situado na praça Joaquim Nabuco (hoje uma loja de eletrodoméstico).

O professor e coordenador da especilaização de Estudos Cinematográficos da Universidade Católica de Pernambuco, Alexandre Figueirôa era um dos que freqüentava os cinemas nessa época e lembra que a idéia de consumo de cultura pelo cinema já existia também nos cinemas de rua. O multiplex, junto aos shopping centers, pontencializou o que estava latente. “Já faz bastante tempo que o cinema está vinculado à idéia de diversão massiva. E seu enquadramento nesse processo de concentração comercial dos shopping se deu com facilidade”, reflete.

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