32a Mostra de SP (2008) – KFZ1348
Meu fusca falou
Por Luiz Joaquim | 24.10.2008 (sexta-feira)
SÃO PAULO (SP) – Ontem (23), o Brasil viu nascer mais um longa-metragem pernambuco. “KFZ-1348”, de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso, nasceu para o público cinematográfico na 32ª Mostra de SP, numa sessão nobre, às 21h30 do Arteplex Frei Caneca. Contemplado pelo projeto “Documenta Brasil”, o filme foi exibido na televisão ano passado, via SBT, mas num ritmo e formato de duração de 48 minutos, adequados para aquela janela.
O que vimos no cinema é um trabalho de 81 minutos que não só deixa os personagens “respirarem” melhor, como oferece uma cadência cinematográfica, e com ‘tempos mortos’ que só reforçam uma poetica do olhar, própria da linguagem e totalmente em consonância com o objeto e objetivo do filme. O fusca da placa que dá título ao filme é na realidade apenas um fio pelo qual Mascaro e Pedroso se aguarram para desdobrar as nuanças humanas e sociais do Brasil nas últimas quatro décadas.
Eles se debruçaram, após árdua pesquisa, sobre a vida e a perspectiva de mundo de oito pessoas. Os oito são os ex-proprietários do carro desde 1965, ano em que foi fabricado, até 2005, quando o Volks jazia na oficina de seu José Seabra, na Avenida Recife. Longe do óbvio, Mascaro e Pedroso deixaram de lado uma forma linear de contar a história do Brasil e sua evolução (ou involução) econômica e social para, a partir desses diversos personagens – um engenheiro civil, o dono de um posto de gasolina, um barqueiro, um comerciante, uma cabeleireira, um barqueiro, um barraqueiro de praia, um pedreiro protestante e o solitáirio mecânico Zé Seabra – jogar reflexos representativos vinculados a um símbolo social tão forte como é o carro popular.
Não é a toa que um dos contrastes mais fortes do filme acontece na passagem da primeira parte, quando todos os ex-proprietários são apresentados em ordem cronológica, para a segunda parte, quando a imagem saí de Seabra e volta para o engenheiro, primeiro proprietário, que já foi até prefeito no interior paulista. Enquanto seu Zé Seabra aponta o destino do mundo e dos homens sob seu ponto de vista amargurado, o bem sucedido engenheiro tece comentários sobre a simplicidade da vida, desde que seja levada à sério e com respeito.
No hall dos personagens cativantes está a cabelereira Ninha. Ela ganha a simpatia pela sua franqueza e desprendimento. Nessa brecha de momento em que relata sua vida e sonhos, deixa passar um retrato tocante de perseverança e determinação; assim como o pedreiro que já foi um viciado menino de rua e hoje participa de uma igreja em Abreu e Lima.
Mascaro e Pedroso foram talentosos o suficiente para mostrar esses personagens em seu habitat natural, e em seus costumes, sem nos causar estranheza sobre eles. Um exemplo: por mais fácil de descrédito, para um ateu, que possa ser a idéia de um protestante cuidando de sua igreja, não há como deixar de comover-se aqui com a imagem do pedreiro batendo o prego com orgulho para construir algo que acredita, e sob toda uma história de vida na miséria.
Como aliado das boas imagens e montagem (de Daniel Bandeira), “KFZ-1348” conta com uma acertadíssima trilha sonora de Tomaz Alves de Souza. O mínimo que se pode dizer dela é que é elegante. Mas, além disso, a música aqui não só emoldura, a seu tempo, as imagens contemplativas dos realizadores, como reforça a significância delicada delas e de todos os oito personagens. Além do fusquinha enferrujado, que liga os oito entrevistados, a música de Tomaz funciona como um equalizador humano dessas oito criaturas tão distintas e tão iguais. É bonito.
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