Entrevista coletiva: Orquestra dos Meninos
A rendenção de um sonhador
Por Luiz Joaquim | 10.10.2008 (sexta-feira)
Tarde da última quarta-feira. Saguão do Mar Hotel, bairro de Boa Viagem (Recife). Uma abundância de adolescentes se posicionava em polvorosa próximo a uma sala de reunião. Elas descobriram que Murilo Rosa estava na tal sala e esperavam pela saída do ídolo televisivo para um momento ao seu lado. Na sala de reunião, a atmosfera era mais séria.
Lá, de frente para a imprensa, Rosa estava com o cineasta Paulo Thiago, o maestro Mozart Vieira e a produtora Gláucia Camargos. O grupo viera ao Recife para lançar o filme “Orquestra dos Meninos”. A obra, com estréia em 7 de novembro, resgata a saga que Mozart vivera entre as décadas de 1970 a 1990 em São Caetano, município no agreste do Ipojuca, em Pernambuco, a 148 quilômetros do Recife. Na tela, Mozart é vivido por Rosa.
“Orquestra dos Meninos” tornou-se mais que um resgate da história de Mozart. Tendo protagonizado a felicidade de formar crianças pobres em músicos clássicos reconhecidos mundialmente, o maestro também experimentou a injúria de uma acusação por pedofilia. Era 1995. O filme, após profunda pesquisa e investigação da equipe do cineasta sobre o assunto, chega selando de vez o episódio grotesco que marcou Mozart.
“Fiquei doente da alma, mas o episódio me deixou mais adulto. O ser-humano não foi feito para sofrer, e se não fosse o filme, essas marcas tristes iriam para o túmulo. Me transformaram num bárbaro e por pouco não enlouqueci. Hoje sou o homem mais realizado do mundo”, comenta Mozart, que hoje é regente na Escola Agrotécnica de Belo Jardim.
O interesse de Thiago pelo assunto surgiu em 1995 quando leu uma reportagem de Mathew Shirts em “O Estado de S. Paulo”. Falava do seqüestro de uma das crianças da Orquestra dos Meninos de São Caetano e também da acusação recaída sobre o maestro. “Shirts contava também da estúpida reconstituição feita pela polícia local, mas o que me motivou nessa história foi a revolução política aqui feita por um artista”, lembra Thiago. E continua: “É um absurdo que a cultura esteja fora da educação, e Mozart não deu só cultura, ensinou aqueles meninos a sentar, a comer, a se comportar”.
Para Thiago, o episódio da acusação, que é forte, é apenas um momento da história de vida de Mozart, mas é revelador em mostrar o poder da arte, que politiza e encontra a inveja como inimiga.
Com destaque logo na abertura, “Orquestra…” informa que filme foi “inteiramente rodado no estado de Sergipe” (nos municípios de Sto. Amaro, Laranjeiras e São Cristovão). Gláucia explicou que a idéia era rodar no Nordeste, mas não necessariamente em Pernambuco. “Não queríamos fazer algo documental, pois a história é um relato sobre abuso de poder comum em qualquer região latino-americano. E depois, seria delicado filmar aqui com tantas pessoas envolvidas na história. Sem falar que seria um desafio para mim como produtora realizar um filme em Sergipe, que não tem uma tradição cinematográfica”, destaca.
De qualquer forma, todos fizeram questão de dizer que exibir o filme no Recife tem um gosto especial, em particular para Mozart. “Me seguro para não chorar mostrando o filme no Recife. Vou ter a chance de rever pessoas que só vi no momento mais difícil da minha vida, em 1995. E se tenho que agradecer é aos heróis que são os meninos da Orquestra, mesmo 20 anos depois, ainda são meninos para mim”.
“Orquestra dos Meninos vai na contramão de uma leva de filmes brasileiros sem redenção. Não que tenhamos aqui um happy-end, mas temos a história de um vencedor”, conceitua Paulo Thiago sobre seu novo filme com o ator Murilo Rosa na pele do maestro Mozart Vieira. Já o ator define o filme como “simples e emocionante”. Rosa diz que gostou do processo de trabalho de Paulo. “Ele é um intelectual do cinema e dizia, ‘não vá conhecer Mozart, vamos criá-lo aqui no Rio de Janeiro’. E assim tomei aulas de flauta, violão e regência”.
“Depois fomos para Aracaju e trabalhamos com os meninos que estão no filme. Aí aconteceu a primeira mágica e foi preciso quebrar a expectativa tanto deles quanto a minha, para criar um só universo”. Só apenas uma semana antes de começar as filmagens é que Rosa conheceu Mozart. “Aí foi a cereja no bolo no processo de criação. Observei tudo em Mozart, o que me ajudou bastante nas cinco semanas de filmagens”, recorda o ator que confessa, “sempre quis fazer um filme assim”.
O resultado parece ter funcionado uma vez que Mozart lembrou na entrevista da primeira vez que viu o filme, no Rio de Janeiro, “houve hora que não sabia se era eu ou Murilo que estava na tela, mesmo ele sendo o galã que é, eu olhava para mim e olhava para tela e não sabia o que estava acontecendo”, recordou sorrindo.
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