Festival do Rio 2008 (dia 4.out)
A crítica e seus cuidados
Por Luiz Joaquim | 06.10.2008 (segunda-feira)
Em dois dias encerra a edição 2008 do Festival Internacional de Cinema do Rio. Na atmosfera do saguão das dezenas de salas que abrigam o evento, até o último sábado, respirava-se a sensação de que o ano não gerou frutos cinematográficos potentes, com exceções, claro. Outra teoria girava em torno da idéia que a curadoria deixara para esta última semana a projeção de suas pérolas.
Coincidência ou não, a partir da sexta-feira passada, surgiram alguns títulos que batiam forte tanto em estética, quanto em proposta temática. Entre eles, o pernambucano (talvez fosse melhor dizer ‘universal’) “Crítico”, primeiro longa-metragem de Kleber Mendonça Filho.
Acolhido com respeito pelo Festival (e público), ganhou espaço na sessão das 18h do sábado no Cine Palácio, templo na Cinelândia, onde, diariamente, divide com o Cine Odeon seu palco para as Sessões de Gala (com presença do diretor), apresentando as novíssimas produções brasileiras e estrangeiras.
Foi a quarta projeção de “Crítico” no Brasil – exibiu antes em Minas Gerais e Gramado; permanece inédito no Recife. Em março de 2006, a Folha de Pernambuco publicou entrevista com Kleber e Emilie Lesclaux – produtora, montadora e pesquisadora do filme – sobre a confecção e concepção do trabalho. Vimos o trabalho e comentamos, mas, à época, tratava-se de um filme em processo, diferente desta versão definitiva que começa a ganhar o mundo.
Há, agora, uma confluência mais bem definida em seus sub-temas ao avaliar a relação entre a crítica cinematográfica e os realizadores. Dentro desse arco maior, entram em pauta como a relação pessoal do crítico com realizador pode influenciar o texto analítico; a pressão midiática de avaliar seminalmente um obra cinematográfica num espaço de 20 minutos em festivais vitais como Cannes (vaticinando ou não o sucesso da obra); a formação do profissional que escreve sobre cinema e sua responsabilidade; e como realizadores lidam com elogios e a comentários duros.
A rica natureza intelectual (sem soar ‘intelectualóide’) contida em “Crítico” está não só na abordagem pessoalmente interessada de Kleber – ele mesmo um crítico nacionalmente respeitado -, mas também nos personagens que dão cara e voz ao assunto na tela. Em cinco idiomas ouvimos o acham Eduardo Coutinho, Sérgio Bianche, Walter e João Moreira Salles, Bertrand Bonello, Elia Suleiman, Pedro Butcher, Luiz Zanin Orichio e mais 65 profissionais. Como escape de oxigênio visual diante de tanta informação oral mostrada no filme, Kleber e Emilie injetam imagens de arquivo, de domínio público, divertidas, numa analogia ao malabarismo e senso de equilíbrio exigido no trabalho de um bom crítico.
“Crítico” não encerra o assunto, e nem é essa a intenção. É apenas um excelente ponto de partida para desdobrar um tema que vai além do cinema, e que afeta a qualquer ser humano: a sua própria imagem.
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Focando o pornô e a sociedade
O sábado, no megaevento cinematográfico do Rio de Janeiro, também deu espaço ao preciso filme “Versalhes” (Versalles, Fran., 2008), de Pierre Schöller. Exibido no último Festival de Cannes, o filme é um excelente exemplo de combinação entre drama humano (sem excessos) com discurso politizado (sem ser xiíta). No elenco temos Guillaume Depardieu (filho de Gerard) como Damien, um dos dois milhões de desempregados na França de hoje, que vive numa cabana em um floresta.
Seu desapego com a sociedade só perde em tamanho com sua fúria contra o sistema governamental francês de assistência aos desamparados. O espectador só vai conhecer Damien através de uma outra sem-teto, Nina (Judith Chemla), que aos 23 anos, arrasta o filho Enzo (Mas Baissette, lindo) pelas ruas e abrigos de Versalhes.
O rancor de Damien não diminui mas é adocicado pela presença da criança, deixada pela mãe com o mendigo que precisará metamorfosear-se em pai.
“Versalhes”, com um roteiro excelente e inspiradas interpretações é destes filmes em que a dor humana serve de espelho cruel para nos fazer refletir sobre obrigações (ou falhas) sociais. Alguns franceses fazem isso com maestria e Schöller se junta aqui a eles. Filme não tem distribuição no Brasil.
SEXO
Em sessão concorridíssima também no sábado, “O Dia-a-dia do Pornô” (9to5 Days in Porn, 2008), do alemão Jens Hoffmann, levou muitos jovens à sessão. Para a, talvez, decepção de alguns, Hoffmann, apresentando o filme, explicou que não era um filme pornô, mas sobre a multi-bilionária indústria do “entretenimento adulto” nos Estados Unidos.
A sessão era a première mundial do filme, um vez que só uma versão mais longa havia sido projetada no Canadá. Realizado durante o pelo período de um ano, o diretor alemão apresenta produtores (Jim Stagliano), agentes, estrelas (Belladonna), e atores do universo dos filmes de sexo explícitos com seus sonhos desejos e estratégias corporais para chegar lá. Aqui, o depoimento de atrizes veteranas dos anos 1970 (uma delas, hoje médica) analisam algumas razões que levam jovens tão cedo ao meio pornô. “Pode ser dividido em três motivos: vício em sexo, dinheiro ou fama”. As imagens, por trás das filmagens, são aterradoramente inesquecíveis.
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