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Críticas

Gran Torino

Educando e aprendendo com outro

Por Luiz Joaquim | 20.03.2009 (sexta-feira)

Logo nos primeiro minutos de “Gran Torino” (EUA, 2008), 29ø filme dirigido por Clint Eastwood (do qual também é roteirista) vemos o velho Walt Kowalski (Eastwood, aos 78 anos) de pé ao lado do caixão no funeral da esposa. Sisudo, Kowalski observa a tudo e a todos com os olhos semirrados. Quando percebe os netos inadequadamente vestidos e desdenhando da cerimônia, trinca os dentes e solta um grunhido baixinho de reprovação.

Esse é o tom do personagem que representará pelos 116 minutos de “Gran Torino”. O nome do filme é também o nome do modelo de seu Ford, ano 1972, que conserva com carinho e perfeição. Para a fábrica de automóveis, o aposentando Kowalski trabalhou a vida inteira, o que o tornou, assim como sua participação na Guerra da Coréia, um radical nos valores norte-americanos sobre soberania e xenofobia. A bandeira de seus país, que não pára de flamular na porta de casa, é um desses símbolos mais fortes.

Tendo como novos vizinhos, uma família asiática, da etnia Hmong, que apoiou os EUA na Guerra do Vietnã, Kowalski, primeiro, trava um conflito particular com eles – na verdade, com elas, pois é uma família essencialmente feminina – para só depois tornar-se uma espécie de mentor masculino do frágil e tímido menino Thao (Bee Van). Thao tenta esquivar-se das guanges asiáticas que o assediam e Kowalski funciona como um professor que lhe mostrar na prática os valores de um bom homem.

O detalhe é que esse homem é Clint Eastwood, e Kowalski é um desenho bem próximo do modelo que o ator encenou nos faroestes de Sérgio Leone (“Por Um Punhado de Dólares”, 1964) e nos policiais de Dan Siegel (a séria iniciada com “Dirty Harry”, 1971). Ou seja, temos uma espécie de justiceiro amargo e mal-humorado, mas extremamente correto e fiel.

A diferença é que este atual “pistoleiro sem nome” ou “inspetor Gallahan” tem agora 78 anos, cospe sangue em função de uma doença incurável, e não consegue se identificar com os próprios filhos, já casados e distantes. Kowalski também não encontra alento na religião, é um solitário no mundo que, ironicamente, encontra mais conforto e compreensão nos asiáticos que odiava, e não mais reconhece a América pela qual lutou e trabalhou a vida inteira.

À propósito, “Torino” rende uma carga forte de humor em alta qualidade a partir de situações criadas pelas largas diferenças culturais de Kowalski e a família Hmong. Eastwood, consegue, com fino equilíbrio, deixar claro como pode ser divertido e engraçado o universo masculino em sua, digamos, ‘objetividade’ e ‘grosseria’. O impressionante é que o cineasta ainda agrega a isso a idéia de valores nobres e simples, como ajudar o próximo, respeitar os mais velhos, valorizar a família. Vendo Como Kowalski, Eastwood é também hoje um símbolo vivo de um tempo em que o cinema respeitava seu público pela inteligência. Muita inteligência.

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