Ninho Vazio
A realidade que inventamos
Por Luiz Joaquim | 12.03.2009 (quinta-feira)
Quando o talento já é comprovado, não surpreende tanto quando vemos um cineasta, mesmo muito jovem, trazer a cada novo trabalho uma obra que merece a atenção de todos. É o que acontece com o argentino Daniel Burman (35 anos). E a estreia no Cine Rosa e Silva de “Ninho Vazio” (El Nido Vacíio, Arg., 2008) ajuda a confirmar essa idéia.
A idéia que Burman nunca vai decepcionar pode até virar um pesadelo pessoal para ele, mas só se ele realmente se importar com isso. Seu crédito vem mesmo de seus esforços. De seus filmes mais conhecidos no Brasil, “Abraço Partido” (2004) e “As Leis de Família” (2006), temos a sensação de que Burman quer mesmo saber é das coisas miúdas. Daquelas coisas de família, que, apesar de miúdas, são determinante na formação da postura do indivíduo diante da vida. São também, numa mesma proporção, quase invisíveis em sua atuação.
E essa quase invisibilidade ganha um matiz interessante na história do protagonista Leonardo (Oscar Martinez). Ele está em crise no casamento com Martha (Cecília Roth). O plano dela, com a saída dos filhos de casa, vislumbra concluir os estudos. Já Leonardo sofre um bloqueio literário e, enquanto se divide em passar o tempo com aeromodelos e em tentar assimilar o talento do genro – também escritor – ele vai revivendo uma nova realidade com a esposa e consigo próprio.
Leonardo liberta-se para viver uma paixão com uma dentista e, numa conversa com um médico, pesquisador da mente humana, confessa que tem lembranças que não guarda mais certeza se aconteceu ou não, embora saliente que as relembra com muita vivacidade. Uma sequência especifica, com Leonardo seguindo a dentista por um shopping center enquanto uma banda o segue tocando o Bolero de Ravel é uma belo exemplo desse tipo de devaneio que tanto queremos acreditar a ponto de lembrar dele com real.
Por uma estratégia narrativa hiperbólica, mas fluída e não-manipuladora, Burman nos envolve numa situação em que nada parece tão importante assim para o enredo. Mas o é, e ao som de um belo jazz ritmado dando o tom de um Leonardo desconfortável com suas incertezas, o cineasta vai nos fazendo questionar no que é que realmente importa acreditar. Se a história que construímos, inventamos – mesmo com a verve artísticas de um escritor – ou se é aquela concreta, do cotidiano. Ou ainda, se é o no equilíbrio das duas que a harmonia se concretiza.
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