ENTREVISTA – Matheus Nachtergaele
Eu sou todos os personagens – diz Nachtergaele
Por Luiz Joaquim | 01.07.2009 (quarta-feira)
Na noite de terça-feira, o ator Matheus Nachtergaele veio ao Recife e esteve no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco para um bate-papo com o público a respeito de “A Festa da Menina Morta”. O longa-metragem, em cartaz naquela sala, é o fruto da primeira incursão do artista como diretor de cinema. Em entrevista coletiva, Matheus falou sobre o envolvimento, desde 1999 neste que é possivelmente seu projeto mais pessoal.
Lançado comercialmente no país há duas semanas, o filme teve sua primeira exibição a mais de um ano, na mostra Un Certain Regard, em Cannes, junto a outros 19 filmes escolhidos para aquela mostra. “Achei que com a seleção de Cannes, teríamos distribuidor garantido no Brasil, mas não foi bem assim, fomos tachados como um filme ‘difícil'”, recorda Matheus. De qualquer forma, Cannes foi positivo sim. A parir de lá, “A Festa…” percorreu 45 festivais de cinema (entre o Brasil e o exterior), incluído aí lugares tão distintos quanto a Transilvânia, Uruguai, Los Angeles e Cuba, entre outros.
Perguntamos se, após uma saraivada de perguntas sobre seu trabalho, tanto de jornalistas quanto do público comum (por ocasião do lançamento), Matheus percebia perspectivas diferentes de leituras entre o olho do especialista e o olho do leigo. “Até aqui, o maior volume de pessoas que viram o filme era o de gente interessada em filme autoral, que é o público de festivais, mas o público menos especializado se emociona com a paisagem brasileira e humana que está lá. Penso que uma certa parte do publico tenha se perturbado com a coragem que o filme vai para o tema que mostra. E dessa mesma forma foi com a crítica. Mas esta, olhando para um filme de estréia, procurando referências para localizá-lo. Comparam a Herzog, a Cláudio Assis, e até a Glauber, o que me chamou a atenção, apesar de também achar que há algo de barroco em ‘Menina Morta’ “, reflete.
Matheus parece receber tudo isso com muita tranquilidade. Sua segurança transparece em sua declaração a respeito do que resultou o filme. “Fiz o filme que queria. Na montagem, não fiz cortes por conta de receio com a temática forte. Cortamos o que realmente era gordura”. Essa gordura, tinha cerca de 50 minutos além dos 110 em que resultou a versão que está nos cinemas hoje.
“Chegamos a exibir essa versão maior, com 2h40min, no festival ‘Cine en Construcción’ de San Sebastian, onde eles selecionam dez filmes ainda em desenvolvimento. A versão maior, que obedecia quase rigorosamente a cronologia do roteiro era generosa com o material filmado. Foi feita junto com Cao Guimarães, já a versão final com a pernambucana Karen Harlen”, diz.
Sendo o ator talentoso que é, uma questão recorrente era se o diretor Matheus havia privilegiado os atores no processo de filmagem. “Costumávamos fazer um balé com a câmera de Lula Carvalho e os atores nos planos sequências, que era um desejo meu, uma vez que gosto disso como ator de cinema. Prefiro estar em cena por muito tempo. Dizer uma fala picotada por cortes é muito entediante para o ator”. Há também um fator econômico aí, lembrou Matheus, pois para cada novo plano, se perdia tempo para montar a luz, e tempo é dinheiro em cinema. “Com planos mais longos, ganhávamos esse tempo”.
Voltando um pouco para a pré-produção, Matheus comentou a escolha a cidade de Barcelos, na no alto Amazonas, como locação. “Inicialmente pensei em filmar em Minas Gerais, mas viajei a Amazonia e fiquei fascinado pela sua geografia física e humana, sem falar que aquele lugar é meio abandonado por todos nós, o cinema incluso. Entendi também que ali a história podia abranger além da idéia inicial que tinha para a seita “espírita-catolizante” que está na história, e que mostrar também a pajelança da Amazonia seria um jeito de abarcar o Brasil, respeitando a cultura indígena”, adianta.
Sobre a participação de Hilton Lacerda, Matheus brinca dizendo que o roteirista pernambucano pegou um encrenca pela frente, pois o roteiro já existia numa versão bem definida. “Como ele é um autor, teve que encarar um projeto já com a coluna vertebral pronta, Mas ele fez uma coisa bonita, ficou com o roteiro por seis meses e ao voltar trouxe o personagem do Tadeu. Inicialmente Tadeu era um senhor, e vi que ele era um personagem do Hilton que negava a seita, percorrendo todo o filme. Mas eu não o aceitava porque todos os outros personagens tinham uma ligação sanguínea ou emotiva muito forte com Santinho, e o Tadeu não. Até que tive a idéia de fazer dele o irmão da menina morta, e aí Tadeu virou ‘o’ personagem, incorporando o oposto do que o Santinho representa no filme”, explica.
PROJETOS
Apesar do entusiasmo com o resultado de “Menina Morta”, Matheus, o ator, revela estar com saudades dos teatros. “A última vez que atuei no palco foi aqui no Recife, ha cerca de quatro anos para lançar o livro, ‘Essa Febre que Não Passa'”. A vida agitada entre o TV e o cinema – Matheus acaba de rodar o filme “O Bem Amado”, interpretando (“com muito orgulho”) Dirceu Borboleta – é a responsável por este afastamento.
O próximo projeto como diretor de cinema, em amadurecimento, foca a reserva indígena de Dourados, no Mato Grosso. “Não sou especialista no assunto, mas sou um curioso e admirador dos donos do Brasil, e também sinto uma tristeza em ver como tratamos a questão indígena no Brasil”. Uma outra questão atiça a curiosidade do artista sobre aquela região, é o fato de lá residir o maior índice de suicídio per capita do mundo. O que faz esses índios cometerem tanto suicídio é algo que perturba Matheus, e que, inclusive, teve um parente próximo que tirou a própria vida.
A mais nova negociação de trabalho para Matheus como ator de cinema está em curso. Ele foi convidado para interpretar Zé do Caixão quando jovem no filme que Vitor Mafra está preparando, e que terá o próprio José Mojica Marins interpretando a si mais velho.
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