Luta entre o corpo e a mente
Filmagem de Mens Sana in Corpore Sano
Por Luiz Joaquim | 24.08.2009 (segunda-feira)
Quem conhece um pouquinho das recentes realizações cinematográficas de Pernambuco já ouviu falar de uma produtora chamada Símio Filmes ou, ao menos, já assistiu um de seus trabalhos. Só para refrescar, aqui vão alguns resultados positivos dali gerados: “Amigos de Risco”, de Daniel Bandeira; “KFZ-1348”, de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso; e o ainda inédito no Brasil “Um Lugar ao Sol”, de Mascaro. Isso só para falar dos longas-metragens.
Mas, a Símio conta com um quarto integrante que nos últimos anos tem atuado apenas nos bastidores. Ainda que não não haja nenhum demérito em atuar nessa posição, o Símio Juliano Dornelles começava a sentir o natural íncomodo, comum a todo artista, por não estar totalmente a frente de um trabalho que fosse uma expressão absoluta de seus anseios criativos como cineasta.
Com formação ligada às artes plásticas, foi ele o responsável pela direção de arte dos filmes “Eletrodoméstica”, de Kleber Mendonça Filha, “Uma Vida e Outra”, de Daniel Aragão, e o do próprio “Amigos de Risco”, no qual também foi produtor. Apesar da experiencia na direção do curta-metragem “A Simplicidade da Vida”, e na animação “Biodiversidade” – além do videoclipe do Mombojó “Deixe-se Acreditar” -, é com o curta “Mens Sana in Corpore Sano” que Juliano prepara (até agora) seu principal cartão de apresentação como diretor cinematográfico.
A justiça em dar uma oportunidade a Juliano de oferecer seu talento ao cinema local como diretor chegou via prêmio de R$ 80 mil (R$ 56 mil com impostos descontados) do concurso de roteiros Ary Severo/Firmo Neto, da prefeitura e governo do Estado local, divulgado em dezembro passado.
“Mens Sana…”, que teve as gravações encerradas no último domingo, deve engrossar a lista dos filmes de personalidade forte que já vêm dando brilho e fama no e fora do país a esta coisa chamada ‘cinema pernambucano’. Para começar, a obra pode ser vista dentro de um panorama do cine-fantátisco, gênero que é pouco visitado no cinema nacional. Em segundo lugar, “Mens Sana…” olha para um universo injustamente marginalizado e sob preconceito, mesmo para os especialistas em esporte amador, que é o fisioculturismo. À propósito, às 20h de depois de amanhã (quarta, 26), acontece no Teatro Valdemar de Oliveira o 55° campeonato pernambucano de musculação.
“Eu mesmo me entendia com preconceito diante dos que praticam esse esporte, mas percebi, durante o processo do filme, que o fisioculturismo não é apenas forma sem conteúdo. Hoje Flávio (o protagonista do curta) é uma grande parceiro, um irmão, a quem admiro bastante como um exemplo de perseverança vencedora”, revela Juliano.
O fisioculturista Flávio Danilo, 29 anos, reforça as palavras de seu diretor, lembrando que pratica a moldura do corpo desde os 14 anos unicamente pelo paixão de fazê-lo. “Não dá pra pensar em ganhar dinheiro com isso. Apesar de ser um esporte de rendimento, que passa por academia, não há quem invista nisso. É um trabalho feito por amor e que testa o ser-humano em seu máximo limite”, destaca.
Depois de uma seleção entre cerca de 15 candidatos, Flávio foi escolhido pela preparadora de elenco Amanda Gabriel (de “Muro”, entre outros), junto a Juliano, que decidiram por Flávio pelo seu completo interesse pelo projeto e desenvoltura diante da câmera.
Orgulhoso, no último sábado durante as gravações na histórica academia Carmelo de Castro, na rua da Aurora, Juliano lembrou para a imprensa que, no dia anterior, aquele grandalhão com quem vem convivendo há cinco meses, havia se emocionado diante da câmera como uma criança. “A culpa é daquela hipnotizadora de homens”, brincou apontando para Amanda Gabriel.
O investimento financeiro para seu esporte, que Flávio não encontrava antes, foi achado na produção de “Mens Sana…”. De março até agora, após um obstinado treinamento físico, o fisioculturista elevou sem peso de 79 para 92 kg, numa complicada equação entre gordura e fibras, movimentada com variáveis de proteínas e carboidrátos.
Questionado para apontar onde ficou a maior dificuldade no processo das filmagens, se para moldar o corpo ou se para atuar, Flávio não titubeou e respondeu sorrindo: “Atuar é mais complicado”.
O FILME
O roteiro de “Mens Sana in Corpore Sano” segue a vida de Arnoldo (Flávio Danilo), cujo exercício físico para moldar o corpo serve como um reflexo de sua única fonte de orgulho. Até que um dia, seu corpo ganha vontade própria, gerando um conflito contra a mente que o comanda. É quando este comando passa a ser de seu corpo. Corpo que decide ficar sozinho.
É por conta dessa inversão de comando que entra em cena o trabalho internacional do especialista em efeitos especiais Ricardo Spencer (filho do cineasta Fernando), que reside na Espanha onde comanda uma empresa neste ramo. Entre outros, Ricardo traz no currículo os efeitos para os longas “O Baile Perfumado” e o espanhol “Segunda-feira ao Sol”, com Javier Bardem no elenco.
Um outro aspécto técnico que deverá chamar a atenção aqui é o trabalho de som desenhado por Thelmo Cristovam. Com a ajuda de outro técnico do Canadá, Thelmo desenvolveu um equipamento que consegue registrar sons internos do corpo humano por equipamento conectado ao corpo do protagonista Arnoldo. Assim, ao assistir o curta, o espectador estará ouvindo o som gerado pelo pulmão, coração ,estômago, etc., de Flávio Danilo exatamente na imagem correspondente que é projetada na tela.
Apesar de Thelmo também captar o som direto nas filmagens, para usar como guia na montagem (de Daniel Bandeira), “Mens Sana…” usará uma narração em off, feita por Júnior Black, que em certo sentido dirá o oposto do que será mostrado. “Esse contraste deve gerar um humor, e por isso estou diante de um desafio pois o filme não quer impor julgamento de valor”, reflete o diretor Juliano.
Quanto a direção de fotográfia, Pedro Sotero, destaca a liberdade que está tendo para dar o tom em “Mens Sana…”. “Por ser um tema tão diferente, que namora o cinema fantástico, não-realista, temos uma tranquilidade tremenda para inventar”, diz, fazendo referência à fotografia das obras de Dario Argento, como “Suspiria” (1977).
A lenda viva do fisioculturismo pernambucano
Falar em fisioculturismo no Recife é falar em Carmelo de Castro, 69 anos, dirigente da academia instalada há 30 anos na rua da Aurora e que leva seu nome (e um dos princiais cenários de “Mens Sana…”), fundador da Federação Pernambucana de Musculução e, nada mais que, Mister Brasil – o maior título nacional do gênero no país – conquistado em 1978 .
Dono de muitas histórias, Carmelo mostrou-se um ator nato no curta-metragem de Juliano Dornelles, no qual aparece como uma espécie de mestre para o protagonista Arnoldo, que lhe procura no filme para tomar conselhos.
Na verdade sua tranquilidade diante das câmeras têm um histórico. Em 1967, Carmelo participava do sucesso da TV Jornal “As Aventuras do Capitão Tanger”, para depois aparecer no programa “A Princesa dos Lilases”, e, depois, na extinta TV Tupi, estrelar “Capitão Flama”. Antes, fora integrante do elenco de Nova Jerusalem, como um gladiador no bacanal de Heródes. “Desse período, lembro quando o então governador de Pernambuco, Nilo Coelho (1967-71), subiu ao palco para elogiar minha performance”, recorda orgulhoso.
À época do título de Mister Brasil, aos 37 anos, ficou tão famoso que começou a aparecer em capa de revistas nacionais, como a “Fatos e Fotos”, e a viajar para participar de programas de TV. De um deles, o então sucesso “Clube dos Artistas”, conduzido por Airton e Lolita Rodrigues em São Paulo, Carmelo recorda de um comentário preconceituoso do apresentador.
“Ele disse, no ar, que sua impressão era que o fisioculturimos era um esporte de brutos, ignorantes”. Em resposta, Carmelo educamente pediu permissão para declamar o poema escrito pelo próprio pai, Israel de Castro, cujos textos foram pubicados por 20 anos nas edições de domingo do Jornal do Commercio. O poema era “Conselhos de Pai”, cujo principal mote era o respeito pelo próximo e a humildade diante do mundo.
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