Festival do Rio 2009 (4 out)
O Pará e sua autenticidade em filme
Por Luiz Joaquim | 05.10.2009 (segunda-feira)
Rio de Janeiro (RJ) – Enquanto a safra estrangeira aparece, à princípio, menos empolgante no gigantesco quadro de opções desta edição do Festival do Rio, a Premiere Brasil tem se mostrado a cada dia mais empolgante. Em Sessão de Gala (com apresentação do diretor) no lindo Cine Odeon, Cinelândia, o longa “O Sol do Meio Dia”, de Eliane Caffé, sugou os espectadores, durante sua primeira exibição pública na noite de domingo, para um universo pouco visto no nosso cinema. O cenário era o interior do Pará, passando por Belém, com o que há de rico e autêntico da cultura de lá.
Importante observar que a produção foi cuidadosa e responsável o suficiente para não se fazer soar folclórica. À propósito, Caffé fez uma apresentação bastante emocionada no palco do Cine Odeon. Disse que nas filmagens olhava para o set, com sua parafernalha e as pessoas se dedicando àquele trabalhão, só para contar uma historinha, uma espécie de sonho. Lembrou de problemas sérios na produção, que não podiam chegar aos ouvidos da equipe, e ressaltou a força de sua produtora Van Fresnot como determinante para o filme existir.
Parabéns a Fresnot e Caffé, então, por nos dar um filme tão delicado. Assim como seu anterior “Narradores de Javé”, temos uma figura extremamte sedutora e autêntica da cultura popular da região Norte do país. Se o talento de José Dumont fez do nordestino Antonio Biá um personagem inesquecível, Chico Diaz empresta sua competência para dar vida ao não menos belo e comovente Matuim. Ele é um barqueiro que herdou a embarcação do pai. Adora cachaça e mulher. Tem um peculiaridade: usa uma peruca de longos cabelos para esconder o único motivo que lhe deprime na vida.
Vai se juntar a Matuim o ex-presidiário Arthur (Luiz Carlos Vasconcelos), ex-presidiário que age de forma oposta ao amigo. Está sempre reflexivo, fala pouco e evita as mulheres. A certa altura, entra em cena Ciara (a estreante Cláudia Assunção), cuja vida é atormentada pela filha que se torna prostituta e pelo pai instransigente (Ary Fontoura). Ciara vai funcionar na trama como um ponto convergência de interesses e conflito entre os dois amigos, desenhando um quadro melancólico para o trio. Em comum à todos, um deslocamento geográfico e sentimental de seu lugar de origem em direção a uma maturação particular.
Dois filmes estrangeiros exibidos no domingo focavam a recente história política internacional. O ítalo-romêno “Parada”, de Marco Pontecorvo (filho de Gillo Pontecorvo, de “A Batalha de Argel”), revisita – assim como “À Leste de Bucareste” e “4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias” e outros – o legado social deixado logo após a dissolução do ditador Ceausescu, em 1993. No caso, o palhaço parisiense Miloud (Jalil Lespert) ouve falar das crianças de rua em Bucareste, conhecidas como ‘baskettari’, e parte para lá iniciando uma trabalho de ressocialização pela sua arte circense não antes de esbarrar em diversas violências políticas e sociais na Romênia da época. Apesar de selecionado para Veneza 2008, o filme não traz força e tensão suficiente própria dos outros filmes do gênero feito pelos romenos e que ganharam destaque no mundo via Cannes.
O outro filme político do domingo foi o bom e tecnicamente rigoroso “Storm”, produzido pela dinamarquesa Zentropa – que produz Lars Von Trier – com Karry Fox (“Um Anjo em Minha Mesa” e “Intimidade”) e Anamaria Marinca (“4 Meses, 3 Semanas…”) no elenco. Neste filme de Hans-Christian Schmid, Fox é uma promotora no tribunal de Haia e trabalha num processo contra um ex-militar de alta patente acusado de torturar e matar bósnios mulçumanos. O filme se concentra no dilema da promotora em seguir adiante com o que acredita ser correto ou curvar-se às pressões políticas nacionalistas da Bósnia para fazer parte da União Européia. É um belo filme de tribunal, feito com mais seriedade e reverberação internacional que aqueles que estamos habituados a ver por Hollywood.
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