A Fita Branca
A origem do mal
Por Luiz Joaquim | 19.02.2010 (sexta-feira)
Não é de hoje que chamamos a atenção para a figura do austríaco Michael Haneke como, muito provavelmente, o mais interessante cineasta europeu hoje em atividade. E não é pelos prêmios que ele vem conquistando. Depois de disputar quatro vezes o prêmio máximo do festival de Cannes – “Violência Gratuita”, 1997; “Código Desconhecido”, 2000; “A Professora de Piano”, 2001; “Cache”, 2005; na quinta disputa, ano passado com “A Fita Branca” (Das Weisse Band, Ale./Aus.) ele não só saiu vencedor, como ganhou o Globo de Ouro 2010 de filme estrangeiro e concorre ao mesmo título (e ao de melhor fotografia) na festa do Oscar, próximo 7 de março.
Em termos básicos, dizemos com tranquilidade que Haneke é o mais interessante pela sua elegância e inteligência com as quais associa alta tensão social, psicológica e humana num mesmo enredo. Agrega-se a isso a capacidade de utilizar a linguagem cinematográfica (com todas as palhetas de cores, contrastes, sons e tempo, pela montagem) para nos sugar a um universo muito particular mas, ao mesmo tempo, tão universal que serve de espelho para qualquer um de nós.
No caso de “A Fita Branca”, temos mais uma obra refinada em seu diálogo com o público, nos dizendo que as informações ali expostas têm algo de muito sérias. Mas estão alis dispostas de forma tão misteriosas que nos incomoda apenas pela sugestão e quase nunca pelo explícito.
No enredo, temos um retrato assustador de um vilarejo no interior da Alemanha pré-Primeira Guerra Mundial. Ali temos a inflexibilidade de pais que educam os filhos sob a rigidez de impiedosa violência ao menor desvio, sob a alegação de mantê-los o mais puro possível. Contrasta com isso o desvio de caráter dos próprios adultos, em particular no que diz respeito ao sexo.
Sucede que nesse ambiente, acidentes inexplicáveis começam a acontecer, com direito a crianças sequestradas e torturadas, na mesma medida em que os adultos vão ficando mais e mais desorientados, sem compreender a gravidade que os cerca, ou a nova realidade da qual tiveram responsabilidade em criar – mas não admitem em nome de uma ordem estéril e cega.
Um capítulo à parte deve ser escrito sobre a fotografia deste filme. Podemos arriscar que dificilmente lembraremos, desde “Barry Lydon” (1975), de Kubrick, de outra fotografia tão bem pensada e tratada como foi esta pelo austríaco Christian Berger em “A Fita Branca”. Cinematografado num preto e branco lúgubre, a pouca luz que insurge que na escuridão assombra. Aterroriza.
As difusas imagens das crianças, que saem do preto absoluto para vir a tênue luz noturna formam uma combinada perfeita com o silêncio respeitoso imposto pelos seus pais. Dessa forma, as figuras infantis ganham um ar quase fantasmagórico, sugerindo dali uma futura geração de adultos perturbados com a disciplina, a rigidez moral e, o mais grave, com a pureza. Pureza perseguida pelos adultos impuros.
A certa altura, depois de diversos “acidentes”, alguém encontra um bilhete deixado pelos algozes que diz: “Vamos punir seus filhos, até a 4á geração, pelos pecados de seus pais”. Não à toa, o filme foi apontado em Cannes como uma espécie de indício germinal dos ideais nazistas, aplicados na Segunda Guerra, para a pureza da raça ariana.
Dizer que violência gera violência seria uma idéia muito rasteira para aplicar a “A Fita Branca”. Mas não podemos esquecer das figuras adultas pelas quais Haneke engendra sua história: um médico, um pastor, um barão, seu administrador e um lavrador daquela comunidade. Apenas três mulheres têm voz no filme. Uma é a esposa do barão. Outra, a governanta do médico – que sofre, do ponto de vista feminino, talvez uma das maiores humilhações já verbalizadas no cinema – e a outra é a adolescente Eva. Esse sim, símbolo de pureza e alvo de paixão de um professor, este também, representando a justiça. É sua voz já envelhecida, inclusive, que narra a história, em off, de uma perspectiva do futuro das ações.
Ver “A Fita Branca” no cinema é uma experiência rica não apenas do ponto de vista da beleza plástica, mas também da reflexão sobre a loucura humana, e da combinação que surge destes dois elementos narrativos. É preciso reconhecer uma obra de arte que você se depara com ela. É, também, preciso aprender a calar-se diante dela.
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