Num cinema longe de você
Quando o cinema fecha-se num único circuito
Por Luiz Joaquim | 08.02.2010 (segunda-feira)
Participar da Mostra de Cinema de Tiradentes, encerrada há duas semanas, deixa uma curiosa sensação de que talvez estejamos vendo a única e última apresentação numa sala de cinema dos filmes ali projetados. Essa realidade não é uma exclusividade do circuito mineiro de festivais. Ela tem habitado quase que a totalidade das dezenas de festivais de cinema no Brasil realizados ao longo do ano (Cine-PE, incluso). É uma realidade triste se considerarmos que todo realizador quer seu filme reverberando na sociedade, e o circuito comercial de exibição é, ainda, a mais tradicional e prestigiada janela de exibição para o espectador não-especializado.
A constatação levanta algumas questões como, por exemplo, a de que alguns realizadores de longas-metragens poderiam estar visando apenas o circuito restrito dos festivais, ou ainda interessados e buscando novos circuitos de exibição. Mas quais circuitos? Cléber Eduardo, curador dos longas-metragens da Mostra de Tiradentes e Ouro Preto, não acredita que se faça filmes para festivais. “Alguns (deles) não superam esse espaço, talvez por terem características recusadas por exibidores e público, talvez porque nossa noção de exibição ainda é restrita ao circuito de salas de exibição a alto preço”, reflete.
Seu parceiro na curadoria, Eduardo Valente, diretor do longa-metragem “No Meu Lugar”, acredita que apesar de haver um circuito de arte bem estabelecido no País, “a produção de nossos longas chegou a um número em que este não dá conta”. Com isso, o cineasta vê a janela dos festivais cada vez mais importante para se chegar ao público. “Muitas vezes, a única mesmo”.
Sua experiência com “No Meu Lugar”, que chegou a ser lançado comercialmente, é um caso interessante desse alcance dos festivais: “Meu filme teve em torno de cinco mil espectadores no seu lançamento comercial. Eu calculo que mais ou menos o mesmo número de espectadores o tenha visto nos festivais nacionais em que participou. Ou seja, quase 50% do acesso a ele foi via festivais, e isso não pode nunca ser desprezado”.
Mas, e quando os festivais não são suficientes? Este é um assunto que interessa hoje, por exemplo, Ricardo e Luiz Pretti, Guto Parente e Pedro Diógenes, diretores do longa cearense “Estrada para Ythaca”, vencedor do júri em Tiradentes. Mesmo celebrado por toda a crítica e pelo público, os próprios realizadores ainda tentam entender como promover novas sessões do filme e mesmo integrá-los a outros festivais.
A preocupação também está com o mineiro Affonso Uchoa, e seu recente “Mulher à Tarde”, que em Tiradentes começou a articular com os cineastas do Ceará e o pernambucano Marcelo Pedroso, de “Pacific”, uma parceria de “itinerância” de exibição dos três longas pelo Brasil. Pedroso, a propósito, já alcançou frutos com a experiência de distribuição alternativa de seu média-metragem “A Balsa”.
“Exibimos em cinco escolas, três universidades e num cineclube, atingindo cerca de mil espectadores. Produzimos também uma tiragem de mil cópias em DVD e temos a mídia sendo vendida no Café Castigliani (Fundaj) e na Livraria Cultura. Além disso, fomos em todas as locadoras e doamos duas cópias para locação. Percebo que temos resultados quando um desconhecido na rua me aborda e me cumprimenta dizendo, ‘ei, vi seu filme'”, diz Pedroso.
Outra experiência interessante é a de Kleber Mendonça Filho, que não teve seu “Críticos” lançado nos cinemas do Recife, mas pode ser comprado pela internet no site (www.amazon.com) por US$ 10 ou visto on-line por US$ 3. Daniel Bandeira, que até hoje não programou seu “Amigos de Risco” nas salas comerciais, apesar de exibido no prestigioso Festival de Brasília em 2007, observa que diretores insatisfeitos com a invisibilidade de seus filmes vêm distribuindo-os via camelô ou internet, gratuitamente.
E conclui: “No entanto, essas inovações surgem num ritmo tímido. Embora necessitem de uma reavaliação dos seus formatos e dos seus direcionamentos, os festivais ainda são parte importante da forma como o negócio do cinema é conduzido no Brasil – e modificar um status quo é coisa a que poucos se dispõem, principalmente quando o que está em jogo é um trabalho que consome milhares de reais e, frequentemente, alguns anos de investimento”.
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