Um Olhar do Paraíso
Onde vivem os anjos
Por Luiz Joaquim | 19.02.2010 (sexta-feira)
Após três “O Senhor dos Aneis” (2001-2003), o nome do cineasta neozeolandês Peter Jackson ficou fortemente associado à alta tecnologia em efeitos especiais. Ao contrário do que muitos pensam, esse seu perfil, na verdade, não nasceu nele com a bilionária trilogia, mas o acompanha desde a infância quando, nos anos 1960, começou a experimentar com uma câmera Super-8.
Com “Um Olhar do Paraíso” (The Lovely Bones, NZel./Ing./ EUA, 2009), estreando hoje, Jackson ainda se deleita com as possibilidades que os efeitos digitais podem sugerir de lúdico mas, agora, são as relações humanas baseadas em afeto e amor que movimentam o filme, tendo um assassinato como pano de fundo. Pode-se fazer uma associação direta deste novo trabalho com o seu “Almas Gêmeas”, de 1994, pelo qual o mundo o conheceu e à sua protagonista Kate Winslet, aos 18 anos.
Adaptado do livro “Uma Vida Interrompida: Memórias de Um Anjo Assassinado” (2002), de Alice Sebold, “Um Olhar do Paraíso” já inicia com a voz em off de uma garota de 14 anos, Susie (Saoirse Ronan), nos dando a informação de que ela morreu em 1973. A informação inspira o espectador à pergunta: “mas como? e por que?”. Não há resposta para o “porquê”, apenas para o “como”. Entretanto, os mais atentos verão que a estrutura disfarçada de thriller – com direito a um psicopata (Stanley Tucci, bem e concorrendo a um Oscar de coadjuvante) – está aqui apenas como suporte para seu principal foco: a felicidade familiar. Mais especificamente, o amor paterno (Mark Walberg, como o pai de Susie). O crime, revelado nos primeiro minutos, é, portanto, apenas um dispositivo do enredo para ter o que falar sobre um amor avassalador e no que implica a sua perda.
Não seria exagero dizer que “Um Olhar do Paraíso” não é exatamente recomendado para pais desesperadamente apaixonados por suas filhas crianças, uma vez que Jackson maltrata e vai fundo no burado deixado na família com o desaparecimento da menina. O vazio remete, inclusive, a um já clássico “O Quarto do Filho”, de Nanni Moretti.
Nesse sentido, antes do crime em si, Jackson apresenta Susie com todo o esplendor da beleza, pureza e delicadeza que se pode enxergar numa menina de 14 anos nos anos 1960, vivendo sua primeira paixão e prestes a dar seu primeiro beijo. A escolha da atriz Saoirse, linda como Winslet em 1994, não poderia ser mais acertada. E a ambiência daqueles anos no filme são claramente infectadas pelas lembranças pessoais do Jackson menino na Nova Zelândia. Assim como o fascínio de Susie pela fotografia, era também o fascínio do diretor pelo Super-8 ainda garoto.
Desonrientada após o assassinato, Susie não vai direto para o paraíso. Ela vaga num lugar entre o céu e Terra e é aqui que devem recair as maiores críticas sobre o filme. Isso porque, nesse entrelugar, Jackson carrega nos efeitos especiais, alternando paisagens hiperrealistas e fantasiosas. Há entretanto, congruência unindo-as, pois elas são metáforas visuais intrisicamente ligadas às sensações de esperança, alegria, e temores de Susie. Ou seja, como vemos esse entrelugar é como Susie o enxerga.
Mesmo coerente (mas com um acidente fatal deslocado no final), o exagero de Jackson nesse aspecto nos faz pensar que hoje, cada vez mais, alguns cineastas olham mais para softwares que para paisagens naturais quando querem retratar um lugar fantástico. Curiosamente, uma conterrânea de Jackson, Jane Campion, mostra o contrário ao usar paisagens reais da Nova Zelândia para emoldurar uma história de amor no século 19 em “Brilho de Uma Paixão”, com estreia em breve.
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