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Reportagens

20 anos sem a Embrafilme

A 16 de março de 1990, o Brasil tomava um susto cinematográfico

Por Luiz Joaquim | 16.03.2010 (terça-feira)

A data de hoje completa, exatamente, 20 anos que o Brasil tomou um susto. Pela televisão, os brasileiros assistiram à Ministra Zélia Cardoso, do governo do então presidente Fernando Collor de Mello, anunciar diversas medidas governamentais. Uma delas atingiu o bolso do cidadão comum, pois confiscava os investimentos, inclusive das poupanças, que ultrapassassem a quantia de NCZ$ 50 mil (cruzados novos). A cultura brasileira (em particular o cinema) também teve sua cota de pancada dada pela equipe do presidente. Ele mesmo assinara, um dia antes, a Medida Provisória 151, de 1990, pondo fim a diversas instituição federais, entre elas a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). .

Fechar a ‘Embra’, como era chamada no meio cinematográfico, foi um golpe fatal na espinha dorsal da estrutura econômica voltada para o cinema: a distribuição de filmes. Mas, para o cineasta Carlos Reichenbach, “o organismo federal já vinha perdendo poder desde a época em que o economista Celso Furtado começou a cortar as asas da instituição”. Furtado era conhecido por não ser muito afeito à produção cinematográfica.

Reichenbach ­­co-produziu “Filme Demência” (1974) e distribuiu “Anjos do Arrabalde” (85) com a extinta Embrafilme. Ele lembra que antes da criação do órgão, em 1969, o Estado não se metia no comércio cinematográfico, só regulamentava e fiscalizava através do Conselho Nacional de Cinema (Concine). A distribuição era feita por particulares e pequenos empresários que, muitas vezes, participavam como co-produtores.

“Antigamente era possível ao produtor saber se estava sendo extorquido pelo distribuidor ou não. Com os exibidores, a relação dos produtores foi sempre traumática. Quando a Embrafilme iniciou sua atuação, exterminou os pequenos empresários de distribuição, mas não resolveu a relação produtor/ exibidor. Muita gente achava que o órgão devia ter entrado na exibição e não na distribuição. Deveria ter comprado cinemas, ter feito reformas etc.”, diz Reichenbach.

O próprio secretário de Cultura na época da extinção do órgão, Ipojuca Pontes, publicou uma carta no Jornal do Brasil, em 6 de janeiro de 2000, afirmando que “a estatal foi fechada porque… tornou-se ineficiente e incapaz de encontrar soluções compatíveis para o desenvolvimento do cinema nacional”. Nas duas décadas de atuação, a empresa nunca foi uma unanimidade. Sofreu acusações de corrupção, cabide de empregos, têta para cineastas medíocres e produtoras de filmes de péssima qualidade. O professor da Universidade Federal Fluminense Tunico Amâncio, Doutor na área de crítica e roteiro (e autor do livro “Artes e Manhas da Embrafilme”, Editora EDUFF, 2001), refuta as acusações lembrando que nenhuma delas foi comprovada. “Hélio Fernandes, da Tribuna da Imprensa, fez inúmeras denúncias por muito tempo, mas nenhuma foi legalmente provada”, revela.

A dotação orçamentária anual da Embrafilme era de cerca de 12 milhões de dólares, dos quais 70% a 80% eram destinados a investimentos na produção de longas-metragem. Esses recursos produziram cerca de 25 obras por ano, com orçamento de produção que se situavam, na média, entre 500 e 600 mil dólares por filme. Era uma dotação pequena mas tinha muita visibilidade por causa do produto com que trabalhava. Para Amâncio, essa ampla projeção acabou por tornar a instituição um alvo fácil. “Se não deu certo, foi por condições conjunturais e estruturais. Nunca por corrupção ou apadrinhamento, este último comprovado. A Embrafilme foi bode expiatório. Perto da venda das estatais seus crimes eram coisa de ladrão de galinha”.

Como era gostoso o nosso cinema
Os contemporâneos ligados ao cinema na fase de atuação da Embrafilme não defendem a criação de uma nova instituição nos moldes da antiga estatal. Mas alguns têm, no mínimo, uma recordação dos resultados positivos trazidos pelo órgão. Eles dizem que, naquela época, o cinema nacional era muito visto. O filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, dirigido por Bruno Barreto em 1976, ostenta ainda hoje o título de produção brasileira de maior público. Foram 10 milhões e 735 mil espectadores.

Hoje, cineastas novatos ou veteranos, como Sérgio Bianchi, têm seus filmes mal lançados, o que encurta a vida útil com o espectador de cinema. No caso de Bianchi seu mais recente “Os Inquilinos” estreou no início de março no Rio de Janeiro em apenas três salas, todas de difícil acesso. Até semana passada, o filme teve apenas 4.600 espectadores.

No final dos anos 1970, 30% a 40% dos ingressos vendidos no país eram para filmes nacionais. Na era Collor, atingiu-se o ápice da desgraça, com 0% de ingressos vendidos aos longas feitos no País. O maior percentual alcançando após o fim da Embra aconteceu em 2003, atingindo o número de 21,4% (21,3 milhões de brasileiros foram ao cinema ver filmes como “Carandiru”, “Lisbela e O Prisioneiro” e “Os Normais”). De certo modo, esse contraste percentual da época da estatal com a época atual ressalta a força de negociação da Embrafilme com os exibidores, quando colocava as produções brasileiras em todas as salas do país.

Independente das acusações feitas ao extinto órgão federal, ninguém questiona que os 20 anos de sua atuação foram ricos para a atividade cinematográfica, com experimentações políticas em seu próprio quintal. “A empresa produziu e administrou o sucesso de Glauber (Rocha), Joaquim (Pedro de Andrade), Leon (Hirszman), Nelson (Pereira dos Santos) e Walter Lima Jr. entre outros menos cotados. Tudo bem que ela tenha sido acusada de produzir filmes com fraca performance comercial. Mas se entrarmos nesse aspecto, teríamos que discutir sobre o mercado, imperialismo, colonização e truste”, comenta o professor Amâncio.

Empresa premiava sucessos de público
A Embrafilme foi criada com o dinheiro do Prêmio Adicional de Bilheteria, uma forma democrática de incentivar a produção média. Um detalhe importante é que o dinheiro do prêmio vinha, única e exclusivamente, da remessa de lucros das empresas majoritárias americanas. “Funcionava mais ou menos assim: quem passava dos 200 mil espectadores recebia um bônus trimestral. Quem ultrapassava 800 mil, deixava de receber. Quantos mais filmes o produtor tinha na praça, maior era o prêmio, não importava o gênero, o status, a qualidade”, explica Reichenbach.

Por informações oficias do governo, as produções sob os cuidados da Embrafilme requeriam um número de 1,8 milhão de espectadores nos primeiros nove meses de exibição para constatar sua viabilidade econômica (isso em fins de 1988). “Essa relação de pagantes/período de exibição é um numero superfaturado. A média mínima na época era 400 mil espectadores. Falo de cátedra, porque produzi sozinho “Lilian M.” (1974), que deu 600 mil espectadores, se pagou e me sustentou dois anos com o Prêmio Adicional de Bilheteria. Hoje, passou de 100 mil espectadores o filme é um sucesso”. Carlão também lembra que até 1984, o custo médio do ingresso era 0,80 cents de dólar e que hoje passa dos nove dólares.

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