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Críticas

Ilha do Medo

Curando a mente das amarguras desse mundo

Por Luiz Joaquim | 12.03.2010 (sexta-feira)

Deve ser difícil ser Martin Scorsese. Um sujeito que tem nas contas filmes como “Táxi Driver”, “Touro Indomáve” e “Os Bons Companheiros” (só pra ficar em trës), ao fazer “A Ilha do Medo” (Shutter Island, EUA, 2010) – hoje em cartaz – sofre, como num castigo ingrato, a pena de escutar bastante por aí que este é um “filme menor”. Mas, ao pararmos de tentar explicar os filmes por sua estatura, talvez consigamos enxergar o real tamanho desta sua nova nova produção estrelada mais uma vez por Leonardo DiCaprio. Com Scorsese, o ator também esteve em “O Aviador”, “Os Infiltrados”, “Gangues de Nova Iorque”, e estará em 2011 em “Sinatra”.

“A Ilha do Medo” nasceu do romance “Paciente 56”, de Dennis Lehane (autor também do livro que originou o filme “Sobre Meninos e Lobos”). Numa primeira busca por congruência temática com a vasta e variada filmografia de Scorsese, podemos enxergar em “A Ilha…” o interesse do diretor baixinho pelo complexo emaranhado de caminhos que a mente humana faz quando quer atingir uma alvo, ou evitá-lo. No armário criado por Scorsese onde ele guarda seus personagens com essa característica, vêm logo à mente o taxista Travis (DeNiro) de “Taxi Driver”, e o Howard Hughes feito por um ótimo DiCaprio em “O Aviador”. O próprio Scorsese diz que se interessou em filmar o roteiro de Laeta Kalogridis (de “Alexandre”), por ao lê-lo, lembrou de um clássico do Expressinismo Alemão, “O Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene.

Não que “A Ilha do Medo” obedeça aos preceitos estéticos da escola alemã dos anos 1920, mas a confusão mental pela qual o detetive Teddy (DiCaprio) irá passar no filme remete ao medo por trás do estado mental no sonambulismo que vemos em Caligari.

Tendo lutado na segunda-guerra mundial, Teddy carrega não só o trauma das chacinas do holocausto como o da perda prematura de sua esposa (Michelle Williams). Já em 1954, trabalhando como detetive federal, ele e seu colega Chuck (Mark Ruffalo, também em cartaz em “Onde Vivem os Monstros”) chegam a ilha Shutter, onde estão os mais violentos doentes mentais, lá confinados num hospital psiquiátrico. À princípio, eles estão ali para investigar o desaparecimento da paciênte Rachel (Emily Mortimer e Patrícia Clarkson), que matou os três filhos afogados num lago. Mas Teddy também tem uma objetivo particular, encontrar o incendiário Laeddis (o eterno sósia de DeNiro, Elias Koteas) envolvido com a morte de sua esposa.

Uma vez na ilha eles lidam com o diretor do hospital (Ben Kinsley) e o médico alemão Naehring (o lendário Max Von Sydow, aos 81, numa clara participação afetiva). Mas Naehring não é decorativo aqui. Sua origem nórdica e presença na ilha, sugere ao detetive que ali estejam acontecendo práticas desumanas com os pacientes em nome de uma experimentação científica, como a lobotomia .

Mas a beleza de “A Ilha do Medo” está mesmo na condução de Scorsese pelo roteiro de Kalogridis em nos traduzir o quanto um ponto de vista pode ser transformado a partir de um trauma psicológico. E ele o faz nos mostrando a gradual e constante desorientação mental de Teddy enquando avança em sua investigação. O faz deixando o espectador, a certa altura, desorientando a ponto de não acreditar nem mais na realidade, nem mais no que Teddy acredita ser verdade.

Exceto por uma sequência um tanto burocrática, quando Teddy acessa a Ala C (a mais temerosa) do sanatório, “A Ilha do Medo” é cinema de primeira grandeza. E a última frase dita por Teddy no filme – “É melhor viver como um monstro ou morrer como um homem bom?” – ajuda ainda mais a embaralhar o que é encenação e o que loucura quando se trata da mente humana. Sabedor do impacto que provoca no final, Scorsese ajuda a manter esse desconforto na cabeça de seu público com a canção “This Bitter Earth” (Essa Terra Amarga), na voz potente de Dinah Washington. É de chorar.

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