Direito de Amar
A dor por baixo da elegância
Por Luiz Joaquim | 02.04.2010 (sexta-feira)
Alguns filmes dizem muito, dramaturgicamente, apenas pelo apurado desenho estético de sua fotografia. Esse discurso, entretanto, vem dissimulado. E ele não costuma ser explícito, nem determinante, mas complementar. No caso de “Direito de Amar” (A Single Man, EUA, 2009), que estreia no Cinema da Fundação, ele é claro, e qualquer espectador irá perceber a olho nu suas intenções.
Primeiro pode haver um estranhamento, por conta de, em certos momentos, haver um incremento da cor em instantes da difícil história que acompanhamos do professor homossexual George (Colin Firth), na Califórnia de 1962. George acaba de perder, para um acidente de carro, seu companheiro com quem vivia há 16 anos.
Autodefinido-se como “invisível”, além de não poder ir ao funeral, George tem de dissimular sua dor e representar para a sociedade que está tudo bem; que não perdeu a pessoa mais importante de sua vida. Para os outros, ele é apenas um homem solteiro (como diz o título em inglês). A força motriz de “Direito de Amar” está exatamente nesse poder de contração do profundo desespero e senso de solidão que Firth dosa em sua performance. Não foi à toa que o ator recebeu uma dezena de indicações a prêmios pelo mundo (vencedor em Veneza e na Inglaterra, ele concorreu no Oscar). A coadjuvante Julianne Moore, como melhor amiga de George, também foi lembrada por sua atuação.
Voltando à fotografia de Eduard Grau – sob direção do famoso estilista Tom Ford em sua primeira atuação como cineasta – pode-se dizer que tonalidade da imagem obedece à temperatura do corpo de George. Com o coração quase parando de melancolia, o tom é monocromático, frio, lembrando o preto e branco. Quando seu coração volta bombear forte – estimulado pela visão de uma beleza (seja um cachorro, uma flor ou um novo flerte amoroso) – vemos o rosto do protagonista corado e a paisagem viva. É simples, eficaz e emocionante.
Há um outro aspecto, este menos técnico e mais humano, em “Direito de Amar”. Diz respeito a condição social homossexual naqueles anos. Todo mundo tem um máscara social, uma persona para o mundo. Um médico se comportam como um médico. Um advogado, como um advogado, e por aí vai. Os homossexuais têm duas personas (ao menos o filme deixa claro como isso era marcado nos anos 1960).
Para o mundo, George é um professor, e também um homem solteiro. Ele precisa interpretar isso. Já na abertura, Tom Ford chama nossa atenção para mostrar quanto tempo George leva para se transformar no George que o mundo espera. E, podemos dizer sem muito erro, que há uma medida para a dor em ter de se passar por quem não é.
Um terceiro aspecto impossível de não se comentar aqui é a elegância em absolutamente todos os detalhes de “Direito de Amar”. ‘Elegância’, à propósito, é a palavra que mais será dita ao se falar deste filme. Além da sofistação intelectual do protagonista, vemos também uma galhardia em todos os movimentos de George (palmas para Firth), que é quase matemática (sem aparentar) de tão precisa. Como ela, está a cenografia e a simetria enquadrada na tela. Este refinamento, alguns podem lembrar, remete inclusive ao mesmo de “Amor à Flor da Pele” (2000), de Wong Kar-Wai.
Este todo na composição de “Direito…” forma uma coerência estética que deixa o espectador se sentindo um imperfeito, mas, ainda assim, muito próximo de George ao testemunharmos sua intimidade pela lágrima discreta que ele deixa escorrer quando sabe da morte do companheiro. É triste.
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