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Reportagens

Clint Eastwood, 80 anos

Quando a razão encontra a sensibilidade

Por Luiz Joaquim | 31.05.2010 (segunda-feira)

Acompanhar a construção lenta e gradual da filmografia de um cineasta é uma experiência que aos poucos revela obsessões autorais. Aplicar esse conceito na trajetória de Clint Eastwood, que hoje completa 80 anos, com mais de 30 filmes em sua carreira (e mais um programado para este ano), sugere evidenciar um realizador em processo constante de reflexão sobre sua própria imagem cinematográfica. É como se o passado no cinema não fosse apagado, mas servisse de matéria prima para novas elaborações.

Na geografia hollywoodiana atual, Eastwood parece ter se transformado em autor anacrônico: é remanescente do cinema clássico, argumento sugerido por suas escolhas técnicas e narrativas – opções que resgatam traquejos que eram praxe no cinema americano feito entre os anos 1930 e 50. O interesse não parece ser forçar um tipo de assinatura visual evidente, mas investir na economia das escolhas objetivas, ou no que se convenciona chamar de direção invisível – sem marcas evidentes de autoria.

O trabalho de Eastwood como ator parece pesar no processo de criação atual. Nos anos 1960, a imagem de Clint era associada ao arquétipo do pistoleiro sem nome e de mira certeira nos westerns spaghetti italianos de Sergio Leone (“Por um punhado de dólares”, de 1964, “Por uns dólares a mais”, de 1965, e o mais conhecido: “Três homens em conflito”, em 1967), enquanto nos anos 1970 predominou a figura de Dirty Harry, policial brucutu que batia nas mulheres e usava a arma como extensão e prova irrevogável de sua masculinidade. Esses filmes insinuavam um bruto que amava apenas em silêncio.

Nos anos 1990, Eastwood começa um curioso processo de revisão dessa imagem pregressa, especialmente a partir de “Os Imperdoáveis” (1992). Neste filme, é como se ele interpretasse aquele mesmo assassino sem nome 30 anos depois, com o devido peso da reflexão e do remorso. É talvez um trabalho que insinua certa parcela de expiação, além de observar um personagem preso em seu instinto de matador. Eastwood mostra compreensão inequívoca da passagem do tempo e que não há mais sentido em reproduzir mecanicamente a musculação do passado.

A produção atual desse cineasta parece levar essa noção de revisão do passado ao paroxismo – ao ponto em que a barreira que separa os personagens que Eastwood interpreta e sua própria figura pública parece aos poucos esmaecer. Em “Cowboys do espaço” (2000), o ator/diretor elabora retrato sensível da velhice, consciente da maturidade que acompanha a passagem do tempo. Reflexão que chega em força emocional ainda maior em “Gran Torino” (2008), obra em que Eastwood atua como um norte-americano automaticamente ressabiado com qualquer pessoa de antecedente fora da geografia ianque, num argumento que parece fazer ainda mais sentido num momento pós 11 de setembro.

É filme em que o homem durão do passado confessa a falência natural do corpo. Eastwood é Walt Kowalski, militar veterano da Guerra da Coréia que precisa conviver com vizinhos hmong, grupo étnico da Ásia, detalhe obliterado pelo olhar conservador de Walter. Ao longo do filme, Eastwood aponta para pessoas que em filmes anteriores certamente não chegariam ao fim da narrativa um espécie de revólver fantasma com seu dedo indicador já decrépito. Esse dedo como objeto pontudo sem poder de fogo mostra a impotência desse ex-truculento, agora velho para essas atividades extra curriculares. A tragédia do tempo perdido encontra proporção épica no cinema contemporâneo de Eastwood.

Já “As pontes de Madison” (1995) implica uma transformação radical: Eastwood chora. Slogan que lembra o “Garbo ri”, quando aquela pedra de gelo sueca chamada Greta Garbo se rendia às piadas de Billy Wilder em “Ninotchka” (1939). Neste melodrama de rara maturidade emocional, Eastwood interpreta um fotógrafo que, durante quatro dias, se relaciona com uma mulher casada e mãe de dois filhos adolescentes. Mas a coragem necessária para girar a maçaneta e ir embora não faz parte desta narrativa sem vilões. É talvez um argumento que parece sugerir que o tempo não cura nada, apenas desloca a dor sentimental do centro das atenções.

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