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Entrevistas

Entrevista: Sérgio Machado (Quincas Berro D’água)

Machado: Não consigo pensar em cinema sem redenção

Por Luiz Joaquim | 25.05.2010 (terça-feira)

Quarta-feira passada, Sérgio Machado, diretor de “Quincas Berro D´Água”, em cartaz nos cinemas, falou por telefone com o CinemaEscrito enquanto se preparava para ir ao estádio Barradão, em Salvador. Ia conferir a performance de seu time, o Vitória, que jogaria contra o Atlético Goianiense pela Copa do Brasil. Seguindo a competência de seu torcedor, o Vitória logrou o sucesso na partida. O último gol de Machado foi na adaptação do segundo livro mais lido de Jorge Amado, tendo Paulo José como o bêbado-defunto disputado pelos parentes e amigos numa Salvador romântica. Na entrevista, Machado fala da responsabilidade de adaptar Amado, do tom definido para o filme, do fio temático que conduz suas obras, de seu elenco e dos três novos projetos envolvidos, um deles uma animação com Walter Salles.

Levar Jorge Amado ao cinema era um desejo seu ou você foi convidado a tocar esse projeto?

Na verdade, era um desejo antigo desde o começo de carreira. Foi ele quem me apresentou ao Waltinho [Walter Salles, da Videofilmes, produtora dos filmes de Machado] quando eu ainda era um universitário. Sou admirador de Jorge. E há uma coincidência de desejos na obra de Jorge e no que faço. Quando exibi “Cidade Baixa” (2005) em Cannes, os franceses o consideraram uma revisão contemporânea da obra de Jorge. A crítica Maria Rita Kehl disse que o filme pegava pessoas insignificantes, que você não olharia na rua, e joga o foco neles. Eu diria isso dos personagens de Jorge. E isso é algo que quero dizer no cinema. O Karin (Aïnouz, co-roteirista de “Cidade Baixa”] fazia o papel de ‘advogado do diabo’; me perguntava o tempo todo: ‘o que você quer dizer com este filme? Se observarmos as pessoas que passam ao largo, se você chegar perto verá que não são tão diferentes da gente.

O perfil de “Onde a Terra Acaba” (2001) e “Cidade Baixa” (2005) não traziam como característica abarcar um grande público mas “Quincas…”, até pelo humor e pelo volume de investimento, parece estar disposto a isso…

Na verdade tem uma diferença básica. Este projeto já nasceu grande. Porque têm, vendidos, quatro milhões do livro de Jorge Amado. “Quincas…” é o segundo mais vendido de sua história. É um dos livros mais lidos da literatura nacional. Os direitos legais de adaptação já não foram baratos, então o projeto já nasceu grande na largada. E o gênero comédia tem sido um dos mais bem sucedidos. Quando fiz o “Cidade Baixa”, não pensava no público. Com o “Quinca…” é diferente. A expectativa é diferente. O lançamento do anterior foi com 18 cópias, com o atual são 120. Na verdade, cada projeto é um projeto diferente.

Já está envolvido com algum novo projeto ou apenas trabalhando na divulgação do “Quincas…”?

Estou desenvolvendo três projetos. E o tamanho não é pequeno. Um deles fala da fundação da orquestra de Heliópolis. Eu quero dialogar com “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, mas quero ter a redenção no filme. Mostrar aquilo que deu certo. Tenho dificuldade de pensar no cinema se não for pela redenção. Com “Heliópolis” vou fazer um drama individual, e não será uma produção pequena. Um outro projeto é uma cinebiografia do Padre Cícero e a terceira é uma animação com o Waltinho sobre a Arca de Noé, a partir de um texto de Vinícius de Moraes. São projetos aparentemente diferentes tem muitas coisas em comum. A Arca, por exemplo, vai ter o tom do “Quincas…” porque parte da história vai contar a perspectiva dos animais renegados na arca de Noé, como a formiga, o bicho de pé e outros. Acontece que é a arca dos “fuleiros” que salva a arca da elite, pois o pica-pau faz um buraco na arca principal. Eu diria que a amizade está em primeiro plano em meus filmes, além do passar do tempo e da morte. Nesse sentido, o “Quincas…” é muito pessoal pois a morte surge como um contraponto com a vontade de viver.

O que você, com sua perspectiva de jovem realizador, credita de bom por ter feito um filme como “Quincas…”, obra que tem 50 anos; e o que atores veteranos, como Paulo José, acrescentam de positivo no projeto?

Acho que as melhores adaptações não são reverentes. Eu tinha todas as razões para fazer reverências, mas acho que é melhor você dialogar de igual para igual. O filme é um olhar de uma pessoa que nasceu depois da obra escrita. Procurei criar as situações de forma mais livre. Cresci, por exemplo, a filha (Mariana Ximenes) de Quincas. No filme, ele também sai do quarto e vai para a rua. Sobre o Paulo [José], ele tem um espírito muito jovem. Ele é meu irmão mais novo. Tem 72 anos, tem Mal de Parkson, mas faz seu trabalho e ninguém nota. No início tínhamos uma preocupação e investimos uma grana num boneco para usar em algumas cenas, mas Paulo não aceitou. ‘Não quero que me descriminem’, ele disse. Então, ele fez tudo, subiu na estátua de Castro Alves e outras cenas mais difíceis. Acabou que o boneco virou a estrela no lançamento do filme. Foi figurante e agora vive viajando de avião.

Na nossa perspectiva, um filme a partir da obra de Amado precisa de atores muito afinados com seus personagens, e dá pra ver isso em “Quincas…”. Nesse sentido, qual foi o principal norte que você deu a Fátima Toledo [preparadora de elenco] e ao seus atores no que diz respeito ao tom da encenação?

As pessoas estranharam quando chamei a Fátima Toledo. O tom da Fátima é mais o do drama, para filmes densos. E que queria fazer era fundamentalmente uma comédia, mas que só o espectador soubesse disso, não os personagens. As atuações são contidas. Na verdade, o tom é o próximo de “Cidade Baixa”. Em “Quincas…” quando os caras choram é porque estão sofrendo mesmo. Queria que o humor surgisse do contraste. O tom da farsa está distante, o clima é sério, mas tão absurdo que fica engraçado.

Você como cinéfilo que é, imagino que a cena da briga no bar de “Quincas…” foi inspirada numa seqüência rodada por Humberto Mauro em “Ganga Bruta” (1933). São muito parecidas. Procede?

Na verdade não foi inspirada não. Curioso, cada um que vê aquela cena me fala alguma coisa diferente. Vou rever “Ganga Bruta” e prestar atenção.

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