Senna
Um herói nacional
Por Luiz Joaquim | 11.05.2010 (terça-feira)
Houve um complexo contexto social no Brasil no início dos anos 1990 que ajuda, hoje, a explicar a ascensão do piloto Ayrton Senna (1960-1994) como herói nacional naquele período. Mas ninguém parece também discordar que o indivíduo Ayrton Senna, com sua postura de vida, seu talento, religiosidade e, principalmente, humildade, foi o principal responsável por transformar, a ele mesmo, num ícone esportivo (e não só esportivo) para o mundo inteiro. O documentário “Senna” (Ing., 2010), do inglês Asif Kapadia – que estreia hoje no Brasil – não esquece nenhum destes dois aspectos. Pelo contrário, os contextualiza com muita sobriedade.
O primeira ponto que chama a atenção nessa belíssima colcha de retalhos feita por Kapadia é a avassaladora quantidade de imagens de arquivo, seja jornalística ou de uso pessoal, com as quais o filme é montado. Não há, na verdade, nenhuma imagem atual, feita para o filme. E nem era preciso, pois a impressão que fica é de que o piloto era filmado por todos os lugares onde circulava. E de vários ângulos.
Há sim alguns depoimentos tomados recentemente e usados aqui, como os de Neyde e Viviane Senna (mãe e irmã); dos jornalistas Reginaldo Leme (TV Globo), John Bisignano (ESPN EUA) e Richard Willians (jornal inglês The Guardian); do piloto francês Alain Prost; de Frank Williams, do grupo que leva seu sobrenome; e de Ron Dennis, da McLaren, entre outros.
Mas a opção de Kapadia em não exibir as imagens atuais desses entrevistados (as falas são em off, com os depoimentos apenas cobrindo as imagens de arquivo) só reforça o peso e a autonomia das velhas imagens. A idéia de exibir a figura de Ayrton Senna em quase 100% das imagens mostradas nos 90 minutos do filme funciona bem, dando uma dimensão proporcional ao carisma do cinebiografado.
Do ponto de vista das imagens, são muito fortes e esclarecedoras – até mesmo para um estranho ao assunto Fórmula Um (F1), como este que escreve – aquelas que revelam as reuniões em portas fechadas com os pilotos horas antes das corridas. Em particular duas destas falam forte. Uma na qual Senna deixa a sala após uma postura hipócrita dos outros pilotos (estimulada por Nelson Piquet) a partir do episodio que anulou sua vitória para Prost em 1989. E outra em que Jean Marie Balestre, o chefe francês da F1, confronta ditatorialmente o brasileiro por este ter solicitado um mudança no regulamento em função da segurança dos pilotos.
Com segurança e elegância é também como Kapadia trata da inicial amizade e posterior atrito de Senna com Alan Prost. Mas é o foco no lado humano do brasileiro – e aí entram (inteligentemente condensados) os romances com Xuxa Meneghel e Adriane Galisteu – que deverá deixar muita gente com água nos olhos ao final da sessão.
Do ponto de vista humano, o filme reforça o que muitos brasileiros sempre admiraram em Senna: sua humildade e total falta de pudor em apresentar-se ao mundo como brasileiro e religioso, além de reconhecer que como homem, aos 32 anos, ainda tinha muito o que aprender, mas para isso “tinha muito tempo”, acreditava.
Um dos momentos onde é mais salientada sua característica determinação nem vem de uma vitória, mas sim de sua tentativa de ergue uma taça. Aquela conquistada no GP do Brasil em 1993, pelo qual desmaiou ao final. Com um colapso muscular nos ombros, a dor era intensa, mas o gesto no pódio parecia ser mais importante.
Não é a toa que, “Senna” o filme, guarda com carinho um depoimento dele em que revela sua corrida mais emocionante. “Foi quando viajei pela primeira vez à Europa numa competição de Kart (nos anos 1970). Ali não havia politicagem era só uma corrida”, diz o herói.
Em tempo: a trilha sonora de Antônio Pinto é equilibrada como todo o filme, e evita a insistente musiquinha que a TV Globo usava nas vitórias da F1. De quebra, a música pernambucana ainda marca presença com “Bob”, de Otto, e “Maracatu Atômico”, pelo Nação Zumbi. E pensar que em 1995 existia um projeto com Antônio Banderas para interpretar Senna no cinema. Dessa, escapamos.
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