5o. CineOP (2010) – dias 2 e 3
A mulher nos anos 1930, em duas óticas
Por Luiz Joaquim | 20.06.2010 (domingo)
OURO PRETO (MG) – A projeção de filmes restaurados dos anos 1930 realizados pelos estúdios da Cinédia – homenageado na figura de sua direta Alice Gonzaga nesta 5º CineOP: Mostra de Cinema de Ouro Preto – nos obriga a reaprender a ler o cinema. Na sexta-feira, noite de abertura, com a exibição em digital de “Bonequinha de Seda” (1936), a superprodução dirigida por Oduvaldo Viana; e na noite de sábado, com a exibição em 35mm de “Mulher” (1931), de Octávio Gabus Mendes e fotografia de Humberto Mauro, o público precisou reprogramar o seu olhar para um modelo de comunicação cinematográfica que obedecia a uma outra lógica narrativa.
O drama mudo dirigido por Gabus Mendes, mesmo cinco anos mais velho que o trabalho de Viana, mostrava-se extremamente mais audacioso, mais avançado e mais consistente do ponto de vista narrativa e temático. Pela sua montagem ágil, via-se que a refinadíssima fotografia de Humberto Mauro contemplava todas as possibilidades de enquadramento para, posteriormente, contemplar uma dinâmica confortável no contar da história.
Ressaltando um erotísmo e com um foco no corpo feminino surpreendente para 1931, “Mulher” é um delicadíssimo conto sobre a condição do sexo femínino vilipendiado pelo homem por conta da frágil condição delas a partir de uma involutária sedução. Vilipêndio que não mudou muito hoje, 80 anos depois.
No enredo, Carmem (Carmem Violeta) “perde a virtude” – que entendemos em bela representação simbólica pela quebra das cordas de um violão – com um jovem sedutor. Expulsa de casa e esquecida pelo namorado, procura emprego para sobreviver. Cansada, desmaia na rua e é acudida por um homem da alta sociedade carioca. Entre eles nasce um romance natural mas sem que ele assuma o relacionamento concretamente. Entre um e outro relacionamento dele com outras mulheres, Carmem percebe que seu lugar não é ali e que está só num mundo em que mulheres dignas ainda dependiam da generosidade dos homens.
Além da consistência no drama de “Mulher”, nunca é muito ressaltar a sofisticação da fotografia de Mauro (que faz um ponta como o padrasto de Carmem), principalmente no início do filme. São imagens inspiradas que comprovam o talento infinito desse pioneiro do bom cinema brasileiro.
Já “Bonequinha de Seda”, com som, mostrou-se mais como mais um embrião do que viria a ser a chanchada. Mesmo sem os números musicais que marcaram aquele gênero, o filme de Viana comungava do humor ingênuo e da trama simplória dos famosos filmes da posterior Atlântida. “Bonequinha…” apresenta outra mulher como protagonista, mas bem diferente da Carmem de “Mulher”. Conta a história de Pechincha (Gilda de Abreu), que depois de ser humilhada por um milionário carioca é adotada por um senhora da alta sociedade que a transforma numa persongem recém-chegada da França. Encenando ser quem não é, Pechincha seduz o milionário e passa a humilhá-lo em sua condição de fútil.
“Bonequinha de Seda” entrou para a história por ser a primeira superprodução do Brasil, com movimentos de grua e retroprojeção, mas é um filme frágil que no máximo produz algumas distrações curiosas. Serviu mais como escola para Gilda de Abreu que viria a dirigir “O Ébrio” dez anos depois. Este sim, um belo filme.
Uma noite como nenhuma outra e um silecioso olhar recifense
Nem só de clássicos vive o 5º CineOP. A mostra também traz programas com produções contemporâneas, como o novíssimo documentário “Um Noite em 1967”, de Ricardo Calil e Renato Terra, que deve estrear no circuito comercial dia 30 de julho. Seguindo o foco da mostra, o doc – premiado no último festival “É Tudo Verdade” – aponta para a história, para o passado, falando enxutamente da emblemática noite de encerramento do 3º Festival da Música da TV Record em 1967.
Feito com cerca de 40% de material de arquivo da própria TV Record – que é parceira na produção filme pela Record Entretenimento junto a Videofilmes -, “Uma Noite…” é um belo exemplo de simplicidade narrativa para dar um recado objetivo sobre um momento crucial da música popular brasileira que, por ser crucial, extrapolava o aspecto musical atingindo o político.
Aspecto que ficou bem claro na alternância de depoimentos tomados hoje por Terra e Calil (este último também crítico de cinema) com Gil, Caetano, Chico Buarque, Edu Lobo e Sérgio Ricardo – e outros – com as imagens sem cortes de bastidores e da apresentação dos mesmos no dia do festival. Projetado na praça, a qualidade de “Uma Noite…” venceu o noturno frio Ouro Pretano segurando o público até o fim , mesmo sob a gélida temperatura em torno de oito graus centígrados.
Às 16h30 do mesmo sábado, na `Série Um` de curtas-metragens contemporâneos, foi exibido “O Homem Dela”, deste editor doCinemaEscrito; além de outro pernambucano, “A Banda”, de Chico Lacerda. Em longos planos, o filme de 20 minutos funciona como um olho silencioso (a obra não tem som), e sem projetar juizo de valor, que observa a população em torno de um carro de som na parada gay recifense.
O perfeito título do curta remete ao clássico musical de um outro Chico (o Buarque), como se nos perguntasse qual seria a cara, os sonhos, alegrias e tristeza daqueles que observam a banda passar. Chico Lacerda responde isso lindamente dando um mosaico de rostos e corpos em movimento, ora sozinhos, dançando e cantado (sem som), ora melancólico e estupefato diante de um mundo louco que desfila ali na frente. Um único senão que ofende o curta talvez seja sua extensão que poderia ter encontrado seu final poucos minutos antes, particularmente num indecifrável rosto calado de um mulher. Mulher?
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