Brilho de Uma Paixão
Esse complicado assunto chamado amor
Por Luiz Joaquim | 25.06.2010 (sexta-feira)
Há uma avalanche de produções que, toda semana, chegam às salas de cinema tentando abarcar o assunto ‘amor’. De tanto sofrer maltratos nas mãos da indústria via roteiristas, atores e diretores medíocres, o assunto tornou-se banal. Tornou-se um produto de marketing. É, portanto, cada vez mais raro encontrar um trabalho que nos ofereça uma representação cinematográfica genuína em seus detalhes como assim o é e assim o merece o tal sentimento. Hoje chega aos multiplex um exemplar que olha para o tema com reverência, respeito, admiração e, principalmente, inteligência. Esse conjunto de elementos – associados à cinematografia de alta qualidade – pode ser capaz de derrubar até o mais brucuto do espectadore que normalmente torceria o nariz quado o assunto é ‘romance’ no cinema. O filme chama-se (pobre título nacional) “Brilho de Uma Paixão” (Bright Star, Aus., Ing., Fra., 2009), e é novo filme de Jane Campion.
A diretora neozeolandesa é, sem dúvida, a melhor realizadora de nosso tempo que traduz em cinema as subjetividades do sexo feminino no quesito afetivo e amoroso. E não é de hoje. Seu primeiro filme que ganhou o mundo fora da Nova Zelândia – “Um Anjo em Minha Mesa” (1990) lançou a atriz Kerry Fox (também presente em “Brilho de Uma Paixão”) – é ainda hoje uma das melhores cinebiografias sobre um poeta, no caso, a poetisa Janet Frame (1924-2004). A obra rendeu cinco prêmio no Festival de Veneza daquele ano. Três anos depois, Campion viria a conquistar Hollywood, com o seu “O Piano”, dando o Oscar para Holly Hunter, Anna Paquin e para si mesma como roteirista. “O Piano” támbém o único filme na história de Cannes que deu uma Palma de Ouro a uma mulher.
Falando em mainstream, “Brilho de Uma Paixão” concorreu também a Palma de Ouro em 2009 e ao Oscar de figurino em 2010. Esta última foi uma indicação óbvia, uma vez que a protagonista Fanny (Abbie Cornish, do ótimo “Candy”) é uma jovem órfã de pai que vive na Londres do início do século 19 com sua mãe (Fox) e seus irmãos mais novos, sendo a moda daquela época seu maior interesse. Só essa estrutura da personagem obrigou a produção a caprichar no figurino.
Entretanto, “Brilho…” enche os olhos, na verdade, em absotumente todos os itens técnicos que um excelente filme pode oferecer. Se o figurino é exemplar, a trilha sonora é inspiradora. Se a direção de arte é coerente, a encenação é comovente. Se o roteiro é suave em sua construção de idéias, a montagem é flúida. E se a locação é precisa, a fotografia é de suspirar por tanta afinidade alcançada entre imagem e sentimento interior ao casal protagonista, formado por Fanny e o poeta John Keats (Ben Whishaw), personagem real falecido aos 25 anos em 1821.
Excelências técnicas à parte, mas sempre pela brilhante e elegante combinação entre elas, o filme de Campion encanta exatamente por contrapor razão e emoção entre esse jovem casal que, pela doença terminal de Keats, tem pouco tempo para consumir o amor.
A linha que cose a aproximação do jovem casal é exatamente a literatura. Mesmo estudando moda, Fanny é uma ávida e crítica por poesia. Ao conhecer Keats, o último e maior poeta romântico da Inglaterra, é este o assunto que os aproxima. Keats, apesar de certo reconhecimento pelo seu inicial trabalho, ainda sofre por entender que não escreveu algo que considere realmente digno de seu talento. A medida em que o casal vai descobrindo novas sensações pela desejo e carinho mútuo – o qual sofrem por algumas convenções sociais da época – eles também vão penando por entender que a doença de Keats não vai permitir a consumação desse sentimento que, nas palavras do poeta, parece que está dissolvendo seu corpo.
Como contraponto a esse relacionamento pueril e de total entrega, o roteiro de Campion põe ao lado de Keats seu parceiro Brown (Paul Schneider, do ótimo “Prova de Amor”, 2003). Ele é um outro poeta, cético, que se satisfaz mais pela beleza matemática e lógica da métrica, que pelo mistério que gera um poema. Ao mesmo tempo, a fotografia de Greig Fraser, nos orienta, por uma ambiência bucólica extasiante, ensaiando visualmente a dimensão das sensações que o casal apaixonado experimenta.
Entre a força do sentimento de Keats e o ceticismo de Brown, surge um desabafo do poeta apaixonado que pode resumir o respeito de “Brilho de Um Paixão” pelo tema do filme. Keats diz ao amigo: “Há um algo de sagrado no coração humano que, infelizmente, nem todos conseguem alcançar”.
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