Em busca das origens
Paulo Cunha pesquisa há quatro anos o cerne da produção cinematográfica em Pernambuco
Por Luiz Joaquim | 18.08.2010 (quarta-feira)
Nos empertigados em entender o atual processo cinematográfico pelo qual vive o estado de Pernambuco, persiste uma pergunta que o professor-doutor em cinema da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Paulo Carneiro da Cunha Filho também se faz. Ela, a pergunta, quer saber que “algo” é esse, em nossa região, que nos lança a fazer cinema mesmo que, historicamente, vivamos imersos em tantos complicadores e limitadores de natureza técnica.
Paulo Cunha caminha em busca desta resposta já há quatro anos. Um terço de sua conclusão poderá ser lida em pouco menos de dois meses, na forma de um livro, que será lançado durante o 14º encontro anual da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine), que acontece entre 5 e 9 de outubro na UFPE.
“Um terço” porque o professor divide o trabalho em três fases, alcançando a primeira delas (resultando no primeiro livro), um período ainda antecessor à chegada do cinema em Pernambuco. “O período desse momento, que chamo ‘A Utopia Provinciana’, abrange a chegada da fotografia no Estado, por volta de 1850, até o fim do Ciclo do Recife”, define.
E explica: “‘Utopia’ porque há um desejo contínuo em querer fazer, e ‘provinciana’ porque ainda não estamos no centro, e isso não é de agora’”. Paulo Cunha recorda que numa antiga tese de Lucila Ribeiro Bernardet sobre o Ciclo do Recife û período entre 1923 e 1931, quando foram realizados 13 filmes de ficção em Pernambuco û ela defende que essa região, com tanta escassez técnica, havia passado pelo que chamava de uma “febre produtiva”.
É exatamente para um horizonte mais largo que este aonde a pesquisa do professor pretende nos levar. “É preciso entender que o Estado, que era rico no setor agrícola, particularmente pela produção de cana-de-açúcar, começa a entrar em decadência ali pela segunda metade do século 19. E, particularmente neste período, os dirigentes políticos encomendavam fotografias da cidade, álbuns inteiros, até como uma forma de resistir a esta decadência. O cinema surgiu como uma ferramenta ainda mais moderna e eficiente, naquela época, para esta função. Era quase como um recado que diz: ‘olha, esta cidade ainda consegue fazer isto’”, deduz Paulo.
A segunda parte da pesquisa, que irá abranger os anos 1930 até 1964, já foi iniciada, mas pelos planos do pesquisador só deverá ser concluída em meados de 2011; enquanto a terceira parte – de 1964 aos dias de hoje – finalizada apenas em 2012.
Sobre o segundo período do enfoque, perguntamos se a existência de um maior volume de documentos (jornais) registrando a época não dificultará ainda mais a pesquisa. O professor responde que nesse caso temos um paradoxo pois, “este é o nosso momento cinematográfico mais esquecido. E nesse sentido temos algumas manifestações pontuais que comprovam que não estivemos parados entre o Ciclo do Recife e o Movimento Super-8 (anos 1970)”, conta.
Como exemplo, Paulo Cunha cita a ação de cineclubes colocados pela Igreja nos anos 1950, a produção de “O Coelho Sai”, primeiro filme sonoro feito no Recife, em 1942 por Firmo Neto (tendo sido completamente destruído num incêndio). E ainda um cinema etnográfico realizado pelo francês Romain Lesage, que sob solicitação do Instituto Joaquim Nabuco (hoje Fundação), dirigiu o documentário “Bumba-meu-boi”, em 1953. Houve também a realização do já clássico “Aruanda” (1960), de Rucker Vieira; e ainda “O Cajueiro Nordestino”, 1962, de Linduarte Noronha. “Isso já se sabe, mas a pergunta que cabe aí é, o que estimulou a confecção destes filmes? O que levou Firmo Neto a produzir ‘O Coelho Sai’, por exemplo?”, questiona o pesquisador.
Como princípio de hipótese, Paulo observa que nunca deixou de existir no Estado uma produção cultural de alto nível no universo do campo visual , seja na pintura, fotografia (e aí, como exemplo, ele cita Lula Cardoso Ayres, 1910-1987), seja na produção intelectual, como os textos do professor Evaldo Coutinho (1911-2007), autor do livro “A Imagem Autônoma” (1971) em que resgatava seus antigos escritos alertando sobre a autonomia perdida da linguagem cinematográfica com a chegada do som.
“Era um pensamento crítico de alta erudição, o produzido aqui nessas diversas formas de expressões culturais. Minha função é entender como esse tecido, essa rede, com idas e vindas, era atrelado e determinante na produção de nosso cinema daquele momento”, conclui.
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