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Críticas

Noites de Cabíria

A vitória do humano

Por Luiz Joaquim | 20.08.2010 (sexta-feira)

Esta noite o Recife tem um encontro com uma prostituta. É às 20h, ao apagar das luzes do cinema São Luiz quando iniciar a projeção de “Noites de Cabíria” (Le Notti di Cabiria, Ita., 1957), de Federico Fellini. Acontece que ao se desnudar para o público, a pequenina Cabíria interpretada por Giulietta Masina (esposa do diretor) não mostra o corpo, mas sim a alma.

Fellini fez aqui uma fábula sobre as criaturas esquecidas pelo mundo. Em Cabíria, e seus pares, o cineasta dá rosto e voz para todas as pessoas que sofrem na vida porque insistem em sonhar. O detalhe é que, como vemos na peregrinação da atrapalhada Cabíria pela noite italiana, o filme indica que é exatamente por ainda existir essa ingenuidade pela vida que o mundo permanece em equilíbrio.

Com colaboração de Ennio Flaiano, Túlio Pinelli e também participação de Píer Paolo Pasolini num roteiro criado a partir do romance de Maria Molinari, “Noites de Cabíria” consegue enquadrar tanto um Felllini mais realista – como quando vemos o dia-a-dia das prostitutas -, como também um autor mais passional, tendo a religião – pelas convenções da Igreja -, que lembram uma idéia de desconforto e conforto ao mesmo tempo.

A relação com a religião é dúbia exatamente porque Fellini busca nela a perseguição para exaltar, na seqüência, a liberdade. E isso surge aqui tão oniricamente como só num filme de Fellini pode acontecer. Exemplo clássico é quando Cabíria encontra um frade anunciando que quem está alegre, está na paz do Senhor. O que pode ser mais simples, sereno e lúdico de que isto?

Muita gente grande da crítica já disse que a representação da noite (tão constantes) nos filmes de Fellini são metafóricas para o que ela tem de promessa como sonho. No caso da pequena prostituta Maria Cabíria Ceccarelli, seu sonho, como se vê na cena da igreja em que chora Ó Virgem, é fazer com que a Santa lhe atenda com o milagre de tirá-la da vida. Porque, apesar da alegria de dar-se aos outros, alegria não pela carne, mas pela felicidade de ser gentil, Cabiria quer mesmo é casar para não ter de mais fazer a ronda noturna, e assim deixar de ser vilipendiada pelos homens.

Seria um erro enxergar o final de “Cabíria” como fácil ou alienante. Quando seu sonho é desfeito, e ela vai ao chão, é de lá que ela se ergue e caminha para reencontrar outros jovens. É a vida que ela reencontra. A pequena Cabíria renasce. É uma conclusão, ao fim das contas, que acena não apenas Ó esperança, mas Ó fé. Fé na humanidade.

É preciso persistir sempre, mesmo diante de um profundo sofrimento. Cabíria é um dos melhores exemplos no cinema para isso. E exemplifica deixando o espectador com um sorriso molhado por uma lágrima que escorre confusa pelo rosto ao final da sessão.

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