Nosso Lar
Céu com conexão wi-fi
Por Luiz Joaquim | 03.09.2010 (sexta-feira)
Filmes em geral representam partes de um panorama cultural maior da região onde foram feitos. Essa ideia do registro filmado como um tipo de documento histórico e social nos chega com nível de qualidade negativo no longa-metragem “Nosso Lar”, feito no território nacional, direcionado para qualquer pessoa que queira reiterar sua fé.
A obra narra o processo de escrita do livro homônimo de Chico Xavier, que de acordo com o filme foi aparentemente psicografado do além via troca de e-mails entre o espírito de André Luiz, protagonista do filme, e o médium, material escrito numa lan-house celestial com conexão wi-fi direta com o espaço terrestre.
A história relata em tom exultante a transformação desse homem pecador, que encontra salvação eterna na religião. Ao morrer, André vai para uma espécie de purgatório, onde é atacado por outros mortos, possivelmente extras acidentados de um filme de terror de baixo orçamento. André reza para escapar e por isso vai para o céu.
Céu e inferno nesse filme são espaços que mostram o resultado da combinação muito dinheiro mau gosto que em geral embala os produtos da Globo Filmes. O céu é uma representação limpa, feita com intervenção pesada da computação gráfica em tons de azul e verde, em que as pessoas andam de túnicas, sempre sorrindo e escutam música erudita num campo florido. O inferno é escuro, fumacento e pegajoso. Melhor evitar os mortos que andam como zumbis fazendo careta e grunhindo algo que pode apenas ser descrito como bleaaarrgh.
Nosso Lar é o nome desse lugar localizado num plano superior, para onde os espíritos bons vão depois da morte, e é basicamente regido pelo mesmo tipo de leis do território mundano. Políticos de sorriso inocente definem quem tem a chance de se comunicar com os parentes, possibilidade valiosa que para poder usufruir é preciso seguir as regras. Limpar feridas de doentes e curar dores dos companheiros com raio verde que sai das mãos valem muitos pontos.
“Para conseguir os méritos, é preciso trabalhar”, lembra um dos chefes do Nosso Lar. Uma das personagens não concorda com esse clima geral de felicidade constante, foge, e acaba fisicamente punida, para em seguida se converter à fé na força maior. “Com o tempo você vai entender”, alerta o protagonista. Ela aceita.
Além desse arsenal carregado de chilique (o curioso raio verde que sai das mãos dos anjos, a trilha sonora de pianinho quando alguém vai morrer, e os acordes de vitória para as cenas de felicidade), chama a atenção como o discurso panfletário do filme se fecha numa ideia de religião em que a visão crítica é nula e o interesse contrário é reduzido à resignação juvenil.
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