Comer, Rezar, Amar
A espiritualidade, por uma novaiorquina divorciada
Por Luiz Joaquim | 01.10.2010 (sexta-feira)
Numa fala do ator italiano Giuseppe Gandini, como o personagem Luca Spaghetti em “Comer, Rezar, Amar” (Eat, Pray, Love, EUA, 2010) é dita a síntese do filme. Aos berros, no estilo italiano (segundo Hollywood), Spaghetti diz para a personagem de Julia Roberts, Liz, uma gringa em Roma: “Vocês americanos sabem o que é entretenimento, mas não sabem o que é prazer”.
A assertiva serve, ela própria, como uma crítica cinematográfica para esse segundo filme do diretor Ryan Murphy pois “Comer, Rezar, Amar”, adaptado de um best-seller de auto-ajuda escrito por Elizabeth Gilbert (autobriográfico?) foi embrulhado num florido pacote audiovisual com oscarizados (Roberts e Javier Barden) e oscarizáveis (Viola Davis, por “Dúvida”) desfilando por paisagens italianas, indianas e indonésias estonteantes.
“Comer, Rezar…” é assim um produto OK de entretenimento, mas é irritante como idéia de um cinema que pretensamente quer despertar reflexão sobre a espiritualidade e sobre o certo e o errado na vida (até porque essas definições, em termos pessoais, não podem ser generalizadas). Um grande problema aqui é literalizar pela boca dos personagens um sem número de frases de efeito (a de Spaghetti é já uma dessas) que tentam soar proféticas mas saem molengas quando batem na cara abobalhada e perdida de Liz.
Não é preciso conhecer o livro para perceber que o roteiro de Murphy com Jennifer Salt é problemático nesse quesito, e não só nesse. A lição número sete do cinema conta que a construção de uma situação dramaticamente bem desenvolvida e sutil ecoa de maneira muito mais eficiente do que a imagem de um sábio ou gente do bem cuspindo “verdades” etérias.
“Comer, Rezar…” também deixa buracos narrativos no trajeto da tentativa de jornada espiritual de Liz, que sai de Nova Iorque para Itália, e depois Índia, numa busca determinada de encontrar paz; como se a tal da paz residisse num país geograficamente localizado no mapa. Existem pulos abruptos entre a transição e adaptação de Liz quando muda-se de um lugar a outro, ao mesmo tempo em que o filme arrasta-se em situações enfadonhas, como a despedida da Itália num jantar de Dia de Ação de Graças americano.
O mais grave de tudo, parece ser o reducionismo que o filme pratica em todo esse percurso feito por Liz. O ponto de partida de sua jornada é o divórcio e o ponto de chegada é o encontro com um novo homem (‘homem’ não, ‘campeão’, como diria Felipe, o brasileiro que vive em Bali, interpretado por Barden). O que ela encontra pelo meio parece menor e, pior, é apresentando de maneira realmente secundária.
Em síntese, como diria Luca Spaghetti, “Comer, Rezar…” é divertido (entretenimento) de um modo que só algumas mulheres conseguem rir, ao mostrar Liz se entregando aos prazeres da massa italiana ou tentando entrar no jeans por exemplo; mas é reacionário em diminuir o equilíbrio espiritual a uma boa transada com um galã num bangalô em Bali. Se há algo que “Comer, Rezar…” faz bem, enviezadamente, é ressaltar o individualismo da perspectiva ocidental nos dias de hoje, em que o desejo da felicidade ininterrupta, que mora ali no nosso umbigo, é a principal questão do mundo.
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