Entrevista: André Klotzel
Reflexões de um Liquidificador
Por Luiz Joaquim | 14.10.2010 (quinta-feira)
O Cinema da Fundação Joaquim Nabuco coloca amanhã (15.out.) em cartaz um dos mais inusitados enredos para um filme brasileiro dos últimos anos. “Reflexões de Um Liquidificador” (Bra., 2010), do paulista André Klotzel, entra primeiro em cartaz no Recife que no Rio de Janeiro (tendo já passado por São Paulo e alcançado 15 mil espectadores). Isso por conta de um processo de distribuição nos cinemas diferenciado do usual, com oito cópias em película além da distribuição em digital. Na noite de terça-feira, Klotzel estava no Recife e participou de debate com a platéia na Fundaj após a pré-estréia especial deste seu quarto longa-metragem. A conversa também foi acompanhada pelos atores Germano Haiut e Aramis Trindade, e a Folha de Pernambuco acompanhou o debate.
Tendo um velho liquidificador dividindo o protagonismo ao lado da dona de casa Elvira (Ana Lúcia Torres), “Reflexões…” acompanha os passos dessa mulher casada com Onofre (Haiut). É um harmonioso casal na terceira idade que se vê obrigado a correr atrás de uma nova renda uma vez que tiveram de fechar a lanchonete da família. Assim, enquanto ele se vira como vigia noturno, ela pratica taxidermia. Acontece que na vida de Elvira, o eletrodoméstico em questão começa a pontificar (com a voz de Selton Mello) questões sobre o modo de vida dos humanos e é por meio dessa amizade entre a dona de casa e a máquina que a harmonia da casa será abalada.
Tendo a voz de Mello extrema importância no tom da dramaticidade, uma questão pertinente era sobre a escolha do ator para “interpretar” um liquidificador. “Alguém tinha me falado que o Selton já havia feito dublagens, e fazia muito bem. Ele já havia, inclusive, interpretado um gato”, contou Klotzel, “Quando o convidei ele gostou do projeto e aceitou participar. A versatilidade de sua voz ajudou bastante e ele era muito hábil no estúdio”, recorda.
A, também, habitual capacidade do ator empregar doçura e ironia na voz ajudou bastante para transposição do cômico para o tenso, pela qual corre a narrativa do filme, e que Klotzel gosta de pensar como uma obra de humor negro. Da mesma forma a trilha sonora, de Mário Manga, foi também um importante elemento narrativo, influindo até na montagem do filme. “Em alguns momentos eu precisava da imagem que casasse com a música. Trabalhamos intensamente, eu e o Mário. Uma base dessa melodia era o assobio e, primeiro, desenhamos o som com teclado eletrônico. Depois vi que precisava ser mais orgânico e nostálgico. Daí partimos para uma orquestra completa e esse processo foi um dos mais caros do filme”, revelou, sobre a produção de R$ 2 milhões.
Um paulistano sem sotaque paulistano
Mesmo na apresentação, antes da sessão, sendo anunciado por Klotzel como um filme de características bem paulistanas, ele ressaltou seu extremo interesse em poder estrear o filme no Recife “principalmente pela participação desses dois atores maravilhosos, Germano e Aramis”, destacou, com a dupla ao seu lado. Essa presença nordestina no filme levantou outra questão. Sobre o sotaque de ambos no filme, que parece fluir tranquilamente, sem amarrar-se a camisas de força para soar “sudestino”. “Quando o André me enviou o roteiro, liguei para ele no outro dia dizendo ‘aceito’. Só fiquei receoso exatamente nesse aspecto. Eu tinha vindo de outro personagem paulista bastante diferente, em ‘O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias’ (2006). Já tenho mais de 70 anos e só sei falar do jeito que falo”, contou, rindo, Germano. “Trabalhei inclusive com uma preparadora e pedia ao André para puxar minha orelha, coisa que ele fazia; e ainda me obrigou a usar lente de contato”, falou descontraído.
Já Aramis, não só pela performance, mas também pelo casamento entre seu biotipo e o que foi imaginado para o policial Fuinha, entusiasmou não apenas Klotzel, como a platéia da Fundação. “Quando li o roteiro [que é de José Antônio de Souza], perguntei logo ao André se tinha sido escrito pensando em mim”, recordou Aramis sorrindo. O ator pernambucano aparece como um investigador xereta e inconveniente que desconfia da própria Elvira sobre o desaparecimento de seu marido.
Sobre a recorrência da narração em off nos seus filmes – acontece também em “A Marvada Carne” (1986) e “Memórias Póstumas” (2001) – Klotzel confessa: “É sempre uma opção arriscada por falas sobre imagens porque a imagem deve falar por si mesma, mas para cada um desses filmes, eu achava que seria interessante a presença dessa voz conduzindo a narrativa. Não é algo que procurava, mas agora vou prestar atenção a isso” concluiu.
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