Reflexões de Um Liquidificador
Triturando vícios e virtudes
Por Luiz Joaquim | 11.10.2010 (segunda-feira)
Logo no início de “Reflexões de Um Liquidificador” (Bra., 2010), novo filme do veterano diretor paulista André Klotzel, escutamos a voz, em off (sem enxergarmos quem fala), mais que conhecida do atual cinema brasileiro, pertencente a Selton Mello. Ela faz comentários sobre os humanos e de sua perspectiva do mundo. Até aí, nenhum problema, até descobrirmos que a voz de Selton Mello fala por um liquidificador. O estranhamento sentido pelo espectador é tão grande quando ao da interlocutora do eletrodoméstico. No caso, a dona de casa Elvira (a atriz Ana Lúcia Torres, em boa interpretação). O filme tem pré-estréia às 20h20 amanhã (12-out) no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Recife), com a presença de Klotzel e do ator Germano Haiut (que no filme vive o marido de Elvira), para um debate com a platéia após a sessão.
Há, no mínimo, 35 anos, Klotzel vem contribuindo para o cinema brasileiro com seu trabalho, que de tão elaborado e pensado gerou, nesse período, apenas três longas-metragens além de “Liquidificador”: “A Marvarda Carne” (1986), “Capitalismo Selvagem” (1994) e “Memórias Póstumas” (2001). Um para cada década.
Curioso observar que cada um deles guarda estéticas bem marcadas correspondente à época que foi realizado. Mas, ao mesmo, como não podia deixar de ser, guarda também características próprias de Klotzel, como, particularmente, o interesse pela voz onisciente de um narrador, tão forte na voz do matuto de “Marvada Carne” ou na voz do morto Brás Cubas (2001), e agora no eletrodoméstico triturador.
Marca também o cinema de Klotzel o ritmo sem pressa e envolvente de sua narrativa, aparentemente sobre um assunto banal, mas que em algum momento se revela bastante sério. É um cinema que envolve exatamente pelo aparente descompromisso com a grandiosidade, e pela identificação imediata do espectador com seus personagens.
Em “Reflexões de Um Liquidificador”, a máquina divide o protagonismo com Elvira. Ela é casada com Onofre (Haiut) e, a após entregar a lanchonete que os sustentava, ambos voltam a lutar pela renda diária, ele como vigia noturno, ela empalhando bichos. Como lembrança da lanchonte, ficou o velho liquidificador que, depois da troca das hélices, começa a questionar as diferenças entre os objetos e os seres humanos para a estupefação de sua única interlocutora, Elvira.
O filme ganha um condimento extraordinário (mais um) com o desaparecimento de Onofre e a entrada da polícia investigando o caso, particularmente com o detetive Fuinha (Aramis Trindade). No bom roteiro de José Antônio de Souza ainda cabe espaço para mostrar um pouco da vida matrimonial de Milena (Fabiula Nascimento, de “Estômago”), vizinha de Elvira. É uma participação pequena, mas o talento de Fabiula rouba a cena comicamente, com sua indisfarçável tara por homens peludos e as brigas com o marido ciumento e sem pêlos.
Como já foi dito, o que é aparentemete banal, torna-se sério na obra de Klotzel, e não é diferente no novo filme. A certa altura, “Liquidificador” dá uma guinada, saindo do campo lúdico para o terreno do íncomodo. E não importa questionar a sanidade de Elvira, ou a improvável vida da máquina de triturar, pois “Reflexões de Um Liquidificador” quer mesmo é moer o pensamento de seu espectador, fazendo-o ponderar sobre idéias fixas e suas consequências. O filme entra em cartaz no Recife nesta sexta-feira (15-out).
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