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Festivais

14o. Tiradentes (2011) – Seminário Irandhir

Os cadernos do Irandhir

Por Luiz Joaquim | 22.01.2011 (sábado)

O que esperar de um mesa de debate com o jornalista Xico Sá mediando os cineastas Eric Laurence, Leo Lacca, Kleber Mendonça Filho e Cláudio Assis? Humor, tiração de onda e propriedade nos argumentos. Foi o que acontece agora há pouco, no final da manhã, aqui na 14ª. Mostra de Cinema de Tiradentes, quando aconteceu seminário “Revelção contemporânea” a partir da homenagem que o evento faz ao ator pernambucano Irandhir Santos, presente também, claro, na tal mesa.

Abaixo um raio-x do conversar, quase sem edição de texto, e incluído interverção da platéia que lotou auditório do Centro Cultural Yves Alves. Acompanhe:

Xico pergunta a Irandhir: Ainda tem cinema em limoeiro? E qual emoçao de ver “Paixao de Cristo” no interior?

Irandhir: Ver a “Paixáo de Cristo”no cinema era o ponto crucial para a família chorar coletivamente. Visitei aquele cinema da cidade em todas as fases: para ver a “Paixao de Cristo”, ver “Os Trapalhões” e os “filmes educativo” (rindo). Mas falando sério, um professor meu, chamado Guimaraes, foi quem me disse, “vá fazer teste com Marcelo Gomes para estar no filme dele”. E hoje acho que a postura do ator no cinema parte de um princípio anterior, mais como um co-autor. Talvez o fato de eu pensar assim seja influencia dos diretores com quem trabalhei. O ator passa de puro interprete a co-autor

Xico para Eric Laurence: Como foi o encontro com irandhir?

Eric: Conheci na filmagem do “Azul”, e foi muito bom porque é bom estar com uma pessoa que quer chegar ao máximo.

Eric pergunta a Irandhir: Não temos escola de direçao de atores no pais, o diretor trabalha de forma intuitiva. Como você lida com isso?

Irandhir: Em “A Febre do Rato” (filme em montagem de Cláudio Assis com Irandhir atuando), meu personagem é um um poeta revolucionário que construía um jornal no quintal e ia pro centro do Recife. Eu perguntava ao Hilton Lacerda (roteirista): quem é esse cara? Hilton responde apontando com a cabeça para o Cláudio (Irandhir faz o gesto de Hilton e a platéia ri).
Eu criei artifícios , tenho um caderninho que anoto tudo. Isso me ajuda.

Eric para Irandhir: E quando o diretor atrapalha?
Irandhir: Não vou por esse princípio. Eu fico colado no diretor. E tento sondar, enxergar a maneira como ele quer contar a história.

Kleber Mendonça:
Não usava atores nos meus filmes. Aconteceu coisa nova com “O Som ao Redor” (filme em montagem de Kleber, com Irandhir atuando), porque meu filmes foram ganhando de certa forma um sentido de mais profissionalismo. Na verdade, eu sempre preferi trabalhar com não atores. O preconceito acabou com Irandhir em “O Som ao Redor”. Na verdade com quatro atores no meu filme: Maeve Jinkings, W. J. Solha, Gustavo Jahn e Irandhir me ensinaram uma coisa bonita, é bonito roubar uma cna de um não-ator, mas é igualmente lindo trabalhar com um profissional e vê-lo chegar numa pefeiçao de técnica que nao parece técnica, isso é o que é o bonito.
Eu nao queria trabalhar com Irandhir no “Som…”. Eu achava que o ator para o personagem tinha de ser misterioso e desconhecido como personagem é. Mas o Irandhir compreendeu tão bem o roteiro que numa conversa, quando falava desse roteiro, ele me ganhou fácil.
O Iranhdir se mudou pra setubal, bairro desinteressante onde moro. E isso mostra um pouco sobre ele.

Leo Lacca: O caderno de anotação de Irandhir é famoso, e aqui tá Amanda Gabriel que trabalhou no elenco de “O Som…” ele sabe do que tô falando. Mas, quando trabalhei com o Irandhir em “Décimo Segundo” foi quando o meu momento onde aprendi a dirigir atores. O filme era função dos atores. Estabeleceu-se ali uma relação de amizade, não tenho pretensão de ter com outro ator. Falava coisas pra ele que não falaria com outras pessoas. Em “O Som…” foi diferente, pois a história não partia de mim. Irandhir me impressionou ali com sua versatilidade.
O caderno dele gera coisa impressionantes. Numa cena, ele tremia a boca na hora certa, toda vez, e eu pensava: esse cara é foda!. Decidi perguntar a ele, como é que faz isso e ele nem sabia de que tremidinha eu tava falando. A entrega e coragem dele são impressionantes.

Eric: Como você sai dos personagens?

Irandhir: Da mesma forma que leva tempo pra entrar, demora pra sair. Agora que acontece as estreiaa dos filmes de dois anos atrás eu rodei, volto aos cadernos para falar dos personagens em entrevistas.

Nesse momento, já com mais de 40 minutos de debate, Xico Sá interrompe a fala de Iranhir para anunciar que Cláudio Assis tá chegando: Venha pra cá seu…. filho da puta.

Cláudio Assis, já acomodado a mesa:
Bom dia e desculpa, é que eu dormi na Pousada errada (risadagem no auditório). O motorista me pegou e levou pro Cine-Tenda (lugar onde filmes são exibidos), me lagou lá e fugiu (mais risadagem geral).
Eu comecei como ator de teatro, eu sabia que não era bom ator. Feio do que jeito que era eu percebi que só ia ganhar papel de dublê de defunto (mais risos). Aí comecei a dirigir teatro e sei que é ator é uma raça ruim. Pense numa peste ruim! (risos). Mas tive sorte, com todos atores que trabalhei. E trabalhei com atores de escolas diferentes. Dira Paes, Jonas Bloch, Everardo Pontes, É preciso cuidado pra conquistar eles, os atores. E como é difícil e prazeroso quando isso acontece pois elas te dão tudo, elas sáo você mais que você mesmo.
O Irandhir é animal, não tem juizo. Eu reprovei dois testes dele no “Baixio das Bestas”. (segundo filme com Irandhir). Os atores fazem tudo, eu só dirijo a munganga. Se eu pudesse botava nos créditos assim: “Diretor de Muganga: Cláúdio Assis”. (risos)

Da platéia, Amanda Gabriel, atriz e preparadora de elenco (que estudou na Universidade Federal de Pernambuco com Irandhir, e trabalhou com ele em “Amigos de Risco” – ADR – e em “O Som ao Redor”) comenta:
É impressinante como Irandhir se transforma em algo que ele não é. Na época de ADR eu sabia do caderninho, e perguntei a ele: posso olhar? Lá tinha uns desenhos e também tinha: “Joca (personagem de Irandhir no ADR) nao conheceu os pais. Joca cresceu vendo filmes do Charles Bronson. Joca tem a figura de Charles Bronson como pai”. Depois disso nunca mais quis ver o caderninho.

Irandhir: Em “A Pedra do Reino”, um psiquiatra nos deu palestra sobre o inconsciente. O caderninho passou a dormir comigo. Certa noite, num sonho, me veio a imagem do Quaderna, meu personagem na série. E eu acordei e fiz o desenho no caderno. Mostrei ao Luiz Fernando Carvalho (diretor da série) e ele disse que naquele momento, estavam pensando na imagem do Quaderna na fase velha. Ele gostou do desenho e chamou o maquiador, o figurante e montaram o velho Quaderna a partir do meu desenho.

Klebler: Você abraçou o rigor no estudo de seus personagens desde sempre ou descobriu há pouco tempo?

Irandhir: Foi por necessidade. No set de filmagem o tempo é menor e muito confuso
Foi um ato de defesa meu.

Kleber: Parece que você entra num transe. Entre o `ação` e o `corta`, você continua focado na próxima cena. O Solha, por exemplo, sai rápido do personagem após o `corta`, você não. E daí cria-se uma tensão no set de respeitar os dois jeitos.

Irandhir: No “Baixio…”, o personagem aparece muito bêbado e eu pensava, onde vou achar essa bebedeira?

Jornalista Marcelo Miranda, da platéia pergunta: Você valoriza a expressao do corpo
É o corpo que te projetou em “A Pedra do Reino”. Isso foi é fundamental. Como é sua noção do ator por inteiro e não so pelo rosto?
E como a experiência de trabalhar com a Globo, industrial?

Irandhir: Em “Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo”, foi uma experiência maravilhosa, sem minha ferramenta principal de trabalho, que é meu corpo. O desafio foi, atraves da voz, eu ter perna, braço e ter coraçao.

Cláudio pergunta: Onde você foi encontrar Zizo (personagem de “Febre do Rato”)?
Irandhir: Fui bucar o zizo no Recife e em tu (fala olhando para Assis). Foi diferente ali, porque você imprimiu no filme a improvisação. Tinha que captar a expressáo das pessoas. E foi revelador pra mim, pois passei a ver o Recife que nao conhecia. Foi linda por ter sido permeada por poesia.

Cláudio Assis: Zizo tá em “Febre do Rato” que é uma expressáo de Pernambuco. Serve pra quando você tá com tesão, querendo conquistar alguma coisa. Tá embevicido de uma vontade medonha. É também uma expressão que leva a idéia da leptospirose, mas me refiro no filme quando você tá azougado, que é quando você bebe cachaça com pólvora preta e limão (platéia cai na guargalhada). Você fica com o pau duro, a xoxota pulsando e o cu piscando.

Leonardo Mecchi, na platéia, jornalista na produção da Mostra de Tiradentes, pergunta:
É o fato de você ser um menino curioso que te faz querer descobrir o além do cinema?

Irandhir: Sou curioso e foi uma estratégia minha; no Recife náo tinha curso. E decidi, vou aprender fazendo, ficava atento a testes na cidade. E quando se está atrás das câmeras, ocorre algo entre o ser-humano e a máquina. Quando esse encontro acontece quero que a humanidade ultrapasse a máquina. Meu encontro é nesse sentido, para que o humano vença a máquina.

Kleber: Irandhir é o ator de cinema que entende de cinema

Cláudio fala, após ser acordado de seu cochilo por Xico Sá:
Eu trabalhei com ator em “Conceição”, curta de Heitor Dhalia. Aí o fotógrafo ficava me dizendo. “O foco tá pequeno, você não pode me mexer. Aí eu respondi… (Cláudio pára, dá pausa, e fica uma tensão no auditório, até ele reproduzir o que respondeu ao fotógrafo. Então ele solta): E por que me chamou? (risadagem de novo no auditório). Eu não sou ator. Eu vou mexer sim e você que venha atrás de mim.

Cláudio continua: Eu acredito em ator de verdade, que é minha extensão. Não acredito nos preparadores de elenco que passam dois anos. O ator é a minha vida. Passei 20 anos fazendo filme. Quem chama o roteirista, o fotografia para falar tudo com o ator é uma merda. E eu, vou fazer o que? Meu trabalho é qual? (e de voz já alta, Claudão grita): Ator é Irandhir, o resto foda-se.

Fim do debate, sob aplausos intensos e boa parte do auditório de pé.

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